quinta-feira, 6 de setembro de 2012
A ÉTICA DA ALTERIDADE DE E. LEVINAS
A ética da Alteridade de E. Levinas – gênese e sentidos[1]
Ricardo Timm de Souza
I - No princípio era a Diferença[2]
O pensamento ocidental se estrutura,
desde os seus primórdios, em torno à questão da diferença. É em torno a este
núcleo referencial que os grandes problemas clássicos da filosofia se articulam
e amadurecem enquanto, exatamente, problemas fundamentais: particular versus universal, necessário versus contingente, finito versus infinito, sensível versus racional, alma versus corpo - as dualidades opostas são
infindas e remetem, em última análise, sempre ao mesmo problema anterior que as
gera: à questão da não-unidade - da
diferença - da realidade com relação a si mesma. Houvesse tudo em tudo, e o
resultado seria a onisciência e a dispensabilidade do pensar; mas é porque há
desvãos na estrutura do real (seja esta qual for, porque a concepção de
realidade se estrutura justamente em
torno a estes desencontros) que o pensamento se gera, e se gera como urgência, urgência de índole
cognoscente-classificatória. No início, não é o verbo Ser, mas os desencontros
que o verbo Ser tenta de algum modo identificar. Se “isso” fosse desde sempre
apenas “isso” - {X = X}, não teríamos provavelmente filosofia alguma, pois a
tautologia perfeita desaparece em si mesma inclusive enquanto problema; mas é
porque “isso” é também “aquilo”, ou não é somente “isso”, ou deve ser “aquilo”, ou pode ser compreendido de outra forma, ou
se constitui em instância de uma síntese maior - {X não é Y} - que o pensamento cognoscente
se põe em marcha em seu processo essencialmente identificante - de forma que, ao
fim e ao cabo, “isso” ‘se encontra’, ainda que na órbita fechada de uma
racionalidade particular, consigo mesmo. Uma série de funções do processo de
identificação, do processo cognoscitivo, se unem nesta tarefa: a localização, a
comparação, a nominalização, etc. Quando, ao final de minhas análises, promulgo
que “o pinheiro é um vegetal”, isso significa a culminância de um longo e árduo
itinerário. Tive de “perceber” a realidade; destacar dali algo especial a ser
“classificado”; destacar deste “algo” o seu “conceito” (ou mesmo “construi-lo”);
tive de comparar esse “conceito” com semelhantes e dessemelhantes; “atribuir” a
esse conceito um “nome”; e, finalmente, propor a identificação entre esse nome e
o alvo de minhas atenções. Mas, a rigor, o processo é o desdobramento de uma
fórmula mais simples. Inicia com um “o que é isso?” {X=?}; desdobra-se em “isso
pertence à classe lógica dos vegetais” {X=Y} e desemboca na nominalização onde
se pretende que a essência, ou o essencial do pinheiro seja dado, coincida com seu nome: “isso é um
pinheiro”, ou seja, “isso, que é identificado como sendo um pinheiro, é um pinheiro” {X=X}. O que esteve
por trás e é anterior a todo esse procedimento é um processo identificante; e esse processo
identificante consiste justamente na tentativa de retirar da diferença seu
caráter, exatamente, de “diferente” enquanto tal, transmutando-a em diferença
lógica, ou seja, em uma espécie de combustível da máquina identificante do
pensamento. E é interessante notar que tal dado é comum a todas as grandes
lógicas ocidentais, sejam de índole formal, sejam de teor dialético. No primeiro
campo, temos a articulação da variedade do mundo em torno a uma referência
significante que lhe dá sentido; o verbo Ser, a presença do real em torno às
definições da possibilidade de o real ser, exatamente, real. No segundo caso, a diferença - a
negação - assume uma posição mais consistente, é levada pretensamente “mais a
sério”; mas, pela sua própria dinâmica, a dialética não cessa, porém segue
adiante na direção de uma Aufhebung ou síntese que, contendo embora a
diferença, não a trata como tal, mas como momento dialético a ser ultrapassado
no momento seguinte que é, de uma ou outra forma, re-identificante. E a
Dialética Negativa é uma tentativa desesperada de deter esta compulsão à
identidade que afeta o cerne do movimento que leva a diferença a sério
ontologicamente[3].
Assim, podemos considerar que a
diferença é a questão propriamente dita
do pensar; é sua condição, como é o impedimento de sua completação. A
questão da diferença é a provocação a um processo de compreensão do “todo”, ao
mesmo tempo em que bloqueia, por sua recorrência incômoda e indeclinável,
qualquer invectiva de universalização totalizante. É por isso que o pensamento -
e a filosofia, enquanto determinada forma de organização do pensamento - tem de
se ver continuamente confrontado com o problema das origens, dos fundamentos,
dos pressupostos, antes de se preocupar com as conseqüências e com os sistemas.
É por isso também que o pensar é uma tarefa infinita, e tem de necessariamente
reiniciar-se a cada momento. Para além de qualquer fabulação ou imaginação,
antes de toda síntese e organização mental, dá-se a diferença: este fato é tão real
aqui e agora, nesse exato momento, como o foi para o primeiro pensador que
percebeu sua não-coincidência com o que não era ele, e entendeu, segundo sua
cosmovisão, a necessidade de superar
tal não-coincidência como condição ou realização do processo compreensivo do
real enquanto tal. Superar a diferença é o ato fundante que se concebe, muito
prematuramente, como movente do grande projeto do pensamento cognoscente, como a
base da possibilidade de se pensar a
própria condição de inteligibilidade do real.
II - A violenta domesticação da diferença: breve história do processo identificante
“A cegueira é uma arma contra o tempo e o espaço.
Nossa
existência é uma única, imensa cegueira, exceção feita
às
poucas coisas que nos são transmitidas por nossos
míseros
sentidos, míseros por sua índole e por seu alcance. O
princípio
dominante do Cosmo é a cegueira. Ela permite a
justaposição
de coisas que seriam impossíveis se se vissem umas às
outras.
Possibilita a interseção do tempo onde este seria
insuportável...”
Elias CANETTI[4]
Inicia-se, portanto, historicamente,
o processo de “compreensão apropriativa” da diferença, ou seja, de sua
integração a uma ordem maior de sentidos que compõe as diversas formas de
avançar do pensamento que pretende conhecer. Tal não se dá por uma escolha
consciente de algum gênio isolado, mas por um arranjo pré-original do que se
considera implicitamente condição de todo conhecimento: identificar o conhecido
consigo mesmo, chegar ao real desde dentro dele mesmo.
Constituir-se-á originalmente a
filosofia ocidental por este viés? Provavelmente. As questões originais que a
tradição nos lega, ainda que fragmentariamente, bem o sugerem; as partículas de
poemas cosmológicos, as obscuridades e clarezas dos antigos, assumem essa
tonalidade inquieta. Logo se propõem um antes e um além do visível; à sua
procura se dedicam as mentes mais agudas. Caminha-se por sobre a inquietude do
dado da diferença; mas esta
inquietude é a base que, segundo a convergência das energias unificantes, é
preciso superar; é necessário chegar
à sabedoria, superar as aparências, abordar solidamente o existente, afrontar e
vencer a insegurança das não-coincidências, do universo da multiplicidade.
Alguns passos são, porém,
previamente necessários. Para os fins desta reflexão, basta-nos destacar três: a
dualidade original ser/não-ser, a “espacialização” da temporalidade e a
objetificação intelectual-neutralizante do dado que é alvo das energias
filosóficas, ou seja, do que se apresenta como real ao intelecto
cognoscente.
a) O primeiro passo do processo de superação da diferença: sobre Ser e Não-ser
A conseqüência da percepção de uma
“situação original”, na qual se ancora a possibilidade de o ser humano perceber
a realidade com sentido, é que nada
se pode perceber de “humano”, que não esteja afetado por este “estar situado”.
Tal é válido também para as comunidades humanas grandes e pequenas, articuladas
em coletividade de sentido, e que são, em realidade, pluralidade de mundos em
íntima interpenetração. Compartilhamos assim a tese de que, antes que um povo ou
conjunto de povos pense em expressar suas vivências originais em termos
poéticos, literários ou filosóficos, estas não somente já existem desde há
muito, como assentam sobre bases de difícil - ou, praticamente, impossível -
intelecção por parte deles mesmos e mesmo para os pósteros. Ninguém - e aqui se
inclui a totalidade das culturas - atinge a plenitude de seus pressupostos,
ninguém capta o estertor original que dá origem à vida ou a inspiração prévia a
toda expiração. Estes pressupostos são mais antigos que sua expressão, mais
fundamentais que qualquer materialização ulterior, realidade prévia a toda
realidade posterior, base possível de todo pensamento.
Qual seria, então, a cosmovisão geral
ou posição originária que se expressa e se desdobra pela árdua via do logos
ocidental? Trata-se de uma determinada instalação original no mundo, de uma
determinada concepção de realidade
prévia a todas as outras, e que as outras, suas herdeiras, hão de tentar
compreender e criticar. Esta realidade toma forma, por vez primeira, na
articulação de uma determinada linguagem como expressão de
racionalidade.
Esta posição originária se traduz
pela intenção de penetração unívoca,
racional, na realidade. A linguagem grega, bela tradução desta origem no
passado e inspiradora de inúmeras linguagens futuras, tem no verbo Ser sua essência mais profunda, o
essencial de sua auto-compreensão. No verbo Ser cruzam-se todos os sentidos e
suas possibilidades, interseccionam-se mundos inteiros, estabelece-se de modo
definitivo a forma equacional já sugerida {X = Y}, isto é aquilo, o cavalo é um animal, o homem é um animal racional e político.
Antes de ser racional ou político, o homem é alguma coisa, e antes de ser alguma
coisa ‘específica”, tem de já "ser"
alguma coisa prévia à própria especificação, por habitar desde sempre o verbo
"ser". É na igualdade, na equalização do diferente, no processo
dinâmico desta equalização de uma vez para sempre, que repousa a segurança do
logos. É ali que o logos encontra sua origem, como Ulisses, metáfora
logocêntrica por excelência, reencontrou sua pátria. Este é o parentesco
original de todo realismo com todo o idealismo: um não pode conceber-se, em
última análise, sem o outro. A intimidade mais profunda da lógica grega,
determinativa, tem seu peso, seu
sentido mais próprio, na conexão dos particulares: tudo é importante na equação,
mas ainda mais importante é a marca,
o sinal de equalização traduzidos
pelo verbo Ser, pois ali repousa, em última análise, o peso da realidade para o
logos. A lógica grega é enunciativa,
vive de seus enunciados, pais de toda concepção de ciência até algumas
reviravoltas contemporâneas ainda não bem compreendidas nem assimiladas pela
ortodoxia bem-pensante. Sua preocupação pela precisão é a preocupação por sua vocação
mesma[5].
A linguagem grega pressupõe assim, a
bem até mesmo de sua auto-compreensão, uma solidão original, a pretensão
intelectual a uma univocidade perfeita de sentido, atualizada ou em potência. A
razão, como expressará a mentalidade moderna, tem de ser uma só; pois o contrário seria
compatível com a multiplicidade de sentidos, e o sentido está dado, de uma vez
para sempre, na expressão da igualdade equacional, no verbo Ser. Algo é, ou não
é: tertium non datur - eis a regra
original, da qual dependem todas as outras da lógica de origem grega, inclusive, como já sugerimos, a lógica dialética. O enunciado da razão
como razão é a equação do verbo ser:
a igualdade redentora afasta da razão
o perigo do diferente dela.
Eis, portanto, um primeiro passo
fundamental e grandioso no processo de domesticação da diferença: sua
subordinação a uma determinada lógica e linguagem que, ao se propor como única
possibilidade (ou como “verdadeira” possibilidade, o que, na órbita de sentido
de uma verdade solitária, vêm a ser categorias mutuamente conversíveis) de
abordagem do real, transborda ontologicamente de si mesma e determina também o
não-ser, ou seja, o irreal. É nisto
que Parmênides e Heráclito, quase sempre apresentados como “adversários”, concordam profundamente, antes ainda que esta inspiração original
possa se conformar em qualquer tipo de organização lógica. E é nisto também que
concordarão a imensa maioria dos múltiplos pares digladiantes da história da
filosofia greco-ocidental[6].
b) O segundo passo na superação da diferença: a espacialização da temporalidade
Porém, de nada adiantariam tais
esforços lógicos se a temporalidade simplesmente continuasse a ocorrer pelas bordas dos sistemas
lógicos, por mais sofisticados que estes sejam. E a temporalidade, expressão da
diferença, dá-se originalmente como fundamento de toda inquietação filosófica,
ainda que sob nomes os mais diversos: finitude, contingência, acidente, mundo
empírico, etc. - e, até mesmo, exatamente, diferença.
Há, portanto, com relação à
temporalidade, de neutralizá-la; caso contrário, cada categoria lógica teria de
ser reinventada a cada passo, para repor na ordem plenamente inteligível da
realidade do ser aquilo que o tempo acaba de corroer. A univocidade do conceito
estaria perdida, e cada generalização, indução ou dedução estaria condenada a
priori ao fracasso.
Esta neutralização, porém, não pode
padecer de ingenuidade - pois o poder desagregador da temporalidade real é
imenso. Para tratar desta questão são, portanto, mobilizadas imensas potências
racionais; e uma das primeiras soluções, e das mais clássicas, procura equiparar
a não-visibilidade do tempo à visibilidade do espaço, “logicizando”
espacialmente a primeira: quando se pensa em termos de ser o tempo a medida do movimento, pensa-se exatamente
em subordinar o que não se dá no espaço enquanto categoria àquilo que se dá
neste espaço; e, portanto, avança-se decididamente no controle do imponderável
desagregante, manietando-o à controlabilidade de uma rede de conceitos. E
pode-se perceber que, ao longo de mais de dois milênios de pensamento
filosófico, esta é uma das questões mais recorrentes, pelo menos até a segunda
metade do século XIX: como transformar o tempo em intemporalidade, para
neutralizá-lo em seus efeitos corrosivos das certezas conceituais.
Assim, em termos práticos, o tempo
que penetra até mesmo a equação do verbo Ser é congelado no verbo Ser. A rigor, não existem propriamente o passado e o
futuro, exceto como antevisão e celebração da conquista do Ser. No
presente do “é”, o passado e o futuro
deixam de assustar: encontraram-se a si mesmos, neutralizando-se mutuamente. Não necessitam colocar-se como alternativas
prospectivas ou retrospectivas de realidade, pois a realidade está já resolvida
na fixação de alguma espécie de presente eterno ao qual o logos, a iluminação,
tem acesso completo. Na construção pré-socrática, na platônica com suas
“idealidades realistas” ou na aristotélica com seu “empirismo” e em todas as
suas derivações, inclusive nos processos modernos de subjetivação propedêutica
ou radical (inclusive em sua inversão em “objetivação” radical do idealismo
absoluto) - em cada instância, a preocupação “determinativa” é a
mesma.
Mas o que “determina” praticamente
esta linguagem ao mundo que a
utiliza? Desde a perspectiva da fixação do correr do tempo no espaço
próprio do presente, são perceptíveis ao menos duas grandes características, que
se apresentam também como dimensões de interpretação:
a) Em primeiro lugar, uma dualidade definitiva explícita
estabelecida na antropologia, que não se opõe, mas antes remete, no fundo, a um
monismo radical implícito: o monismo
do Ser. A realidade está cindida em
dois níveis de difícil aproximação: o empírico, a doxa, o corruptível, o impuro,
o plural, o temporal, e a dimensão da felicidade ideal, a episteme, racional,
meta-empírica, incorruptível, transcendental, “para além das aparências”, pura,
singular, atemporal. Mas esta cisão também pertence ao mundo das aparências, já
que, em verdade, somente a realidade atemporal é, conforme vimos,
legitimamente real para esta
concepção de realidade. A vita activa, com seus percalços e
inconstâncias, não participa da realidade plena da contemplação atemporal das
essências. O Bem reside na atemporalidade
da Totalidade de sentido do verbo Ser, “presente eterno”, totalidade esta que se
encontrou consigo mesma: eis o motto de fundo, “inconsciente”, a
anterioridade da determinação de realidade do mundo.
b) Em segundo lugar, e como
conseqüência da concepção de atemporalidade atribuída à realidade plena,
percebe-se a radical anti-historicidade
que habita esta concepção de verdadeira realidade. A história do
desdobramento do logos, apesar das aparências em contrário, é uma anti-história, - uma espécie de história
“endógena” - porque é afinal de contas um encontro consigo mesmo. Mais uma vez, Ulisses nos esclarece
disso. Sua aventura tem a finalidade do retorno à sua pátria, a si mesmo. A
mutabilidade que caracteriza a história - o tempo como condição de efetivação da realidade - é,
na verdade, um desembocadouro do incontrolável, e, portanto, um escândalo para
qualquer constelação bem-arranjada de conceitos. A temporalidade é a expressão
última e mais aguda da negatividade
enquanto tal.
A Anti-historicidade se expressa
especialmente na redução do imprevisível
à inofensibilidade. A cosmovisão original anti-histórica tenderá mais tarde,
em seus desdobramentos modernos, a subsumir o particular, o propriamente
concreto da história, no universal e abstrato do Espírito e da Totalidade -
tarefa empreendida por Hegel com tanto brilhantismo, e que dará a Benjamin, na
intuição do movimento contrário,
oportunidade para tanto trabalho[7].
c) O terceiro passo na superação da diferença: a objetificação intelectual-neutralizante do real
Ainda um terceiro elemento é
fundamental no processo de
inofensibilização da diferença: trata-se da neutralização do real através
do crivo neutralizante do objetivismo intelectual, ao qual chamamos, neste
contexto, de “objetificação”. E não falamos, aqui, de um “objetivismo” que
meramente se oponha a um “subjetivismo”, mas em algo mais profundo, que remete
às origens do fluxo identificante que tem como resultado a articulação lógica
intemporal da realidade à qual já fizemos referência.
Em poucas palavras, o que aqui
chamamos de “objetificação” se constitui, exatamente, no conjunto dos processos maiores,
chanceladores da legitimação dos processos parciais aos quais denominamos
“auto-postulação da identidade” e “espacialização da temporalidade”; ou seja, a
objetificação é a forma de emprestar legitimidade às lógicas da postulação
absoluta do ser enquanto realidade e da temporalidade enquanto não mais que
“pré-realidade”, lógicas estas que, como vimos, têm como impulso inicial e
objetivo final despojar a diferença de seus elementos
desagregantes originais. As variadas formas de como tal processo se tem dado ao
longo da história do pensamento desembocam todas neste mesmo desaguadouro da
pretensa naturalidade, que faz com que, em cada época, se tenha
categorias-chaves para entender e legitimar a cada passo deste grande processo
de “des-diferenciação”, categorias estas tratadas geralmente como sagradas ou
intocáveis. É apenas quando um grande quadro cultural entra em crise que esta
sacralidade é posta em dúvida; e, imediatamente, a inteligência guardiã do
grande impulso neutralizante localiza uma substituta à altura, no campo das
ciências ou dos grandes sistemas políticos e intelectuais. O grande horror da
consciência ocidental é se ver às voltas com a realidade sem as chaves
compreensivas que a própria cultura recria constantemente. É assim, por exemplo,
com a categoria de “infinito”; enquanto
tal pensamento trazia em seu bojo um poder de inquietação incontrolável, se lhe
tinha repugnância – os gregos, de modo geral, pensavam desde o ponto de vista da
ordem, do “cosmo”, enquanto o ilimitado, o ápeiron, permanecia como uma
instância de escândalo intelectual. Foi apenas bem mais tarde, nos inícios da
modernidade, que se pôde afirmar a infinitude do universo sem temor do
descontrole “caótico” (dos antigos) ou da alteridade divina (dos medievais); e é
exatamente este o momento em que inicia propriamente a modernidade.
Assim,
a “objetificação-neutralização” é o próprio exercício da inteligência, enquanto
este exercício visa a preservação de sua segurança original: sua
referencialidade em torno ao núcleo auto
e hetero-identificante. É por isso que se tem considerado tradicionalmente a
inteligência como avessa a condicionalidades que atenuam sua agudeza
identificante, como, por exemplo, a própria possibilidade de ela se deparar com
o dela diferente.
III - Da neutralização da Diferença à dignidade da Alteridade
a) Pó e cinzas
“Após ela (a filosofia) haver recolhido
tudo em si... o ser humano descobre
subitamente que ele... ainda está
aqui...
Eu, pó e cinzas, eu ainda estou aqui”
Franz ROSENZWEIG[8]
Três “passos”, na verdade dimensões
interpenetrantes de um mesmo grande “movimento”, foram acima sugeridos: a
“definição definitiva” da impossibilidade do diferente do ser, ou melhor, do
diferente que ser; a obsessão pela
detenção da temporalidade incontrolável e sua incorporação em uma espacialidade
cósmica ou lógica “controlável”; e as formas pelas quais tais objetivos são
atingidos, ou seja, os modos de “chancela neutralizante” que se apõem a tais
conquistas e que pretendem, com isso, a evitação da recorrência da situação mais
original de “caos”, quando a diferença era real e não apenas lógica e metodológica
- com isso, toda realidade nada mais é do que uma questão de “conhecimento”, e
conhecimento organizado em torno à procura daquilo que temos chamado de “verdade
solitária”.
Sintetizemos, portanto, o até aqui
exposto:
1) O
modelo ocidental de pensamento, sua dinâmica, é já ex origine um grande arco de poderosa
afirmatividade, provocado pelo fato
originante de que, antes de tudo, dá-se a
diferença: todo pensamento, toda filosofia, toda ciência têm aí, na
provocação incisiva da diferença, sua origem mais remota. O logos tem aí seu
único e real problema, o problema em relação ao qual todos os outros assumem uma
dimensão secundária, e a inteligência como que parte imediatamente para a
conquista desta terra (ainda) incógnita.
2) Tal se
dá, ao longo do tempo, pela paulatina domesticação daqueles elementos que podem
introduzir, no grande corpo do conhecimento, a sombra da dúvida: o extrapolar de
categorias - “não-ser”[9],
o extrapolar da controlabilidade - o tempo que passa e desagrega o todo -, e o
extrapolar da “inteligibilidade” normal - algo que, atraindo as energias do
conhecimento, dá-se por fora ou para além das possibilidades puras do
conhecimento[10].
Muito necessário se faz ressaltar
claramente que as últimas energias positivadas deste espírito identificante
se dão, na forma exposta, à época dos grandes sistemas totalizantes do
pensamento - até pelo menos meados do século XIX. É a partir daí que um grande
processo de corrosão interna tem
origem. E se o logos se traduz em habilidade extrema na dimensão que identifica
as diferenças “externas”, tal não se dá no que se refere aos grandes problemas
internos da cultura na qual se move; e o problema que então se propõe é de tal
ordem que a totalidade de mecanismos legitimadores da positividade da procura é
colocada em questão. A partir da segunda metade do século XIX, o grande problema
já se conforma inequivocamente: dá-se a percepção de que, a um Eu claro e
distinto, contrapõem-se os “eus” sombrios e atuantes do psiquismo “subterrâneo”;
a uma compreensão essencialista e formal da realidade, contrapõe-se uma visão
“evolutiva”, onde o tempo, por tantos séculos recalcado, faz sua reentrada
triunfal; a uma matemática “natural”, a uma geometria intuitiva, contrapõem-se
geometrias “artificiais”, que nem por isso têm menos validade matemática do que
a euclidiana; a uma música tonal, e portanto formalmente controlável a priori,
contrapõe-se o princípio de desagregação da tonalidade, que conduzirá fatalmente
a sendas desconhecidas; a uma arte figurativa “realista”, contrapõem-se uma
multiplicidade de estilos, que criam realidades diferentes daquelas retratadas
pela tradição; a uma literatura formalmente bem-comportada, propõe-se uma
construção literária infinitamente variável; a uma ciência bem-organizada,
contrapõe-se uma “ciência” essencialmente indeterminada. Tudo
parece fugir ao controle: espaço para o surgimento do grande Medo. Penetra-se,
de corpo e alma, na imensa crise civilizatória na qual estamos mergulhados.
Filosofias surgiram, filosofias desapareceram e nós, “pó e cinzas”, (ainda)
estamos aqui[11].
Após séculos de otimismo e de obviedade do sentido, a questão do sentido dos sentidos pressupostos
pela inteligência do real se re-propõe com inusitada violência, uma violência
que é uma contrapartida à altura da violência identificante que habita a raiz da
racionalidade solitária.
b) Crises, arqueologias e novas descobertas: finitude e temporalidade
As formas de resistir a tal embate
são variadas; desde o conservadorismo filosoficamente inócuo até arqueologias
radicais em busca da melhor circunscrição da questão do sentido conforme acima
sugerida, e desde uma vigorosa retrovisão arcaizante até prospectivas inusitadas
no encalço do Novo. O fato é que nenhum pensador digno deste nome, no século XX,
pode pensar ignorando esta situação de crise, de colapso de uma Totalidade de
sentido. A temporalidade faz sua reentrada triunfal no campo do possível, e no
século XX já não é possível ignorá-la: esta não-ignorância é o proprium dos
discursos filosóficos contemporâneos mais consistentes.
Com o Tempo, ressurge a Diferença:
com o colapso do Conceito identificante, que retira da alteridade apenas e tão
somente aquilo que é intelectualmente compreensível, reassume seu lugar a
questão da Alteridade real enquanto dimensão que não pode ser, simplesmente,
“intelectualizada”, mas remete às profundezas de uma “indeterminação” original,
onde nada é suficientemente “claro”, porque a clareza não é a questão original,
mas, exatamente, é a diferença que é a questão original.
A percepção da radicalidade deste
problema não escapa a alguns contados pensadores extremamente originais: todos
sabem que precisam se ver seriamente com este problema. Investem na dilatação da
estrutura original de compreensão do real. Filósofos tão diversos quanto
Bergson, Bloch, Heidegger, Adorno, Wittgenstein, Sartre, Merleau-Ponty,
concentram o melhor de suas energias em torno a este problema. Suas soluções
variadas contemplam paradoxalmente inquietações de origem bastante semelhantes,
que são propriamente as inquietações
filosóficas da contemporaneidade[12].
A reproposição da questão original
da temporalidade é compreendida como finitude, assim como a emergência da
alteridade original é compreendida como negatividade[13];
nada impede que se consubstancie um novo terreno propício a novas caminhadas e
novas descobertas.
Na particularidade da fenomenologia
e de suas derivações, Husserl “resolve” a questão da intencionalidade
intelectual, reabrindo o campo da imponderabilidade do real; e Heidegger
supera a tradicional proposição lógica da diferença “invertendo-a” e
“positivando-a” enquanto diferença ontológica[14].
Está refeito um terreno filosófico
que se presta a uma re-aproximação incisiva da questão da diferença.
c) A reafirmação da dignidade da Alteridade
Superamos, porém, a etapas das
ingenuidades bem-intencionadas: se há uma lição que dois mil e quinhentos anos
de história e de filosofia bem nos ensinam, é a de que, pela via do intelecto
iluminante, podemos ir até o iluminado pelo intelecto, e não mais além. Se isto
é o que concebemos como sendo a totalidade das possibilidades de pensar e do
conceber, então chegamos realmente aos limites da filosofia e ao fim da
história; se, porém, percebemos aí uma unilateralidade que envia por sua vez a
uma estranha e provocativa obscuridade, a uma “má consciência”[15],
a uma outra história, a um outro tempo que o tempo da sincronia,
então estamos talvez preparados para ousar enfrentar o receio do desencontro, do
paradoxo, do desvão, do fulcro que “incide” na construção do corpo dos
conceitos. Estaremos, em outros termos,
finalmente preparados para retornar à questão original: a questão do sentido do
real. Mas não o faremos com as armas da tradição, mas com tudo aquilo que a
linha hegemônica da tradição nunca ouviu nem soube identificar.
Não reiniciamos, portanto, nosso
itinerário à maneira de identificação de representações, mas auscultando os
vestígios do irrepresentável; não decaímos em irracionalidades desesperadas ou
apocalípticas, mas também não identificamos a racionalidade com a Razão
onipotente. Não ignoramos que, do Outro, somente captamos o que se dá à nossa
representação, e que sua alteridade se refugia para além da própria estrutura de
cognoscibilidade e de manipulação do logos[16]
- e também não desprezamos o fato de que, sem estes cuidados, nos tautologizamos em uma Totalidade
autofágica, beco sem saída de qualquer lógica do absoluto[17].
Mas, antes e acima de tudo, não
hipotecamos nossa confiança a alguma estrutura onde o tempo se dissolve em algo
“maior” do que ele, mas articulamos a possibilidade de compreensão do real
justamente à temporalidade real que se dá apesar de nós e de nossa imensa
capacidade sintetizante. Assim, desarticulamos a equação congelada em torno ao
presente do indicativo de ser, perguntando simplesmente pelo sentido de ser; sentido que é outro que ser e que ser algum
re-presenta ou pretenda esgotá-lo sem o violentar, uma vez que não é questão de
ser ou não-ser, mas se sugere exatamente na diferença entre estes e quaisquer outros pares de
conceitos. Dá-se a pluralidade de
origem, e procurar o sentido do real significa, exatamente: construir a relação entre, no mínimo, dois
diferentes – no famoso dizer de Levinas, “a ética é a ótica” primigênia, e a
origem de todo o sentido, ou seja, a própria possibilidade de pensá-lo. O
sentido do estabelecimento da Ética como filosofia primeira não é mais do que
isso: construir a compreensão de que
o mundo, a terra, o universo se dão como um imenso “palco”, no qual se deve
desenrolar um drama ético enquanto
fundamento da realidade e teoria pré-original de todo conhecimento possível[18].
Muito provavelmente é esta a racionalidade original da existência humana, e não
a exploração obsessiva de quarks e de quasars e galáxias distantes.
IV – Conclusões- No princípio dá-se a Ética
“...A
diferença entre o velho e o novo pensamento
expressa-se...
na necessidade do Outro e, o que dá no
mesmo, no levar a sério o tempo”
Franz ROSENZWEIG[19]
A crise civilizatória em que nos
encontramos nada tem de misteriosa, nem em sua origem, nem em seu
desenvolvimento; trata-se em suma das imensas conseqüências da pertinaz
fidelidade a uma muito bem determinada lógica de princípios, que se propôs a
pensar e resolver o mundo desde a dimensão da identidade e da identificação.
Grandes conquistas daí advieram; mas também daí provêm os imensos impasses em
que nos encontramos. O seqüestro do “infinito” no presente, transformando a
terra em um pretenso almoxarifado inesgotável e em um gigantesco depósito de
lixo; a idéia suicida de que, de tanto rodar em torno a si mesmo, o frenetismo
tresloucado acabará por se encontrar com suas razões; os automatismos e
neutralizações bem pensantes, a violência e exploração desmedidas que habitam
todos os níveis de realidade - tudo reenvia a um vício de origem: a obsessão
solitária por uma “verdade solitária”, a do tautológico e idêntico a si
mesmo.
Talvez reste pouco tempo antes da
hecatombe ecológica-social; mas é provável que este tempo seja suficiente, pois
“o grande poder do ser humano é que tudo que ele necessita para ser humano ele
já tem: ele tem o instante”[20],
o instante que desarticula definitivamente a solidão violenta e reintroduz o
desencontro original entre o Mesmo e o Outro, condição primordial da
inteligibilidade decisiva da absolutamente necessária diferença real entre Totalidade e
Infinito, raiz do sentido e condição de todo futuro concebível.
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[1] Este texto é um desenvolvimento de nosso ensaio “Da
neutralização da diferença à dignidade da Alteridade: Estações de uma história
multicentenária”, in: SOUZA, Ricardo Timm de. Sentido e Alteridade – Dez ensaios sobre o
pensamento de E. Levinas, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p.
189-208.
[2] A fim de não sobrecarregar excessivamente o texto,
limitaremos as citações ao mínimo possível. As bases bibliográficas gerais deste
trabalho encontram-se principalmente em nossos livros citados nas Referências
Bibliográficas.
[3] Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. “Estética e restos da
história” in: SOUZA, R. T., Totalidade
& Desagregação - Sobre as fronteiras do pensamento e suas alternativas,
Op. cit., p. 31-64.
[4] Auto-de-fé,
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d, p. 93.
[5]A convivência exclusiva ou quase exclusiva com um
determinado modelo de pensamento e de lógica a ele inerente acaba por fazer
acreditar serem estes os únicos possíveis. Mas a variedade de linguagens e
lógicas - e de corpos de pensamento subseqüentes - é tão grande como a
multiplicidade dos mundos humanos. O verbo Ser, por exemplo - especialmente no
presente do indicativo - não goza, em muitas línguas, do prestígio a ele
concedido pelo tronco indo-europeu. Assim, por exemplo, no hebraico e em várias
outras línguas semitas, evita-se a abundância e a coloquialidade do verbo ser,
em uma lógica muito mais afeita ex origine à interpretação da realidade do que à sua
determinação como realidade -
observe-se, por exemplo extremo, o modelo interpretativo proposto pela
tradição do Talmud, em sua estranha estratificação sob a forma de camadas
sucessivas e mutuamente reveladoras. O peso da realidade está, aí, na pretensão
de “objetividade” anterior ao
acercar-se a uma determinada parcela da realidade: em um modelo equacional - que
também existe, naturalmente, nestas línguas e lógicas - o peso repousa muito mais no primeiro
termo do que no sinal de igualdade; diferença fundamental destes “mundos” com
relação ao mundo do logos grego. Também no caso de certos grupos indígenas da
América do Sul tem-se uma lógica marcadamente contrastante com o modelo
prevalecente no mundo europeu e em suas derivações: não possuem em seus
vocabulários o verbo Ser, substituído, sem prejuízo de apercepção de sua
realidade, pelo verbo "Estar". "Está-se" em tempo de caça, de festa ou de
guerra: a transitoriedade da percepção traduz talvez uma relação menos tensa com
o mundo empírico que aquela normal nos mundos da tradição ocidental.
Compreende-se assim que o europeu, com sua referência básica de realidade, ao
perceber provavelmente índios que “estavam” em tempo de descanso, postularam
peremptoriamente: “são” preguiçosos (Cf. a obra de R. Kush).
[6] Desenvolvemos esta tese, de forma mais detalhada, em
nossa já citada Entre Milênios – pequena
história da filosofia como história da Totalidade e de sua
ruptura.
[7] Cf. BENJAMIN, Walter. “Teses sobre o conceito de
história” in: BENJAMIN, W. Obras
Escolhidas, São Paulo, Brasiliense, 1984.
[8] Zweistromland,
Dordrecht/Boston/Lancaster, Martinus Nijhoff, 1984, p. 359.
[9] Interessante notar que o “Nada”, observado bem de
perto, é enfim uma determinação de ser; o Nada tem até nome, seu poder nadificante esbarra
em sua própria auto-compreensão ontológica – ainda que tudo virasse nada, algo
ainda permaneceria; exatamente o Nada.
[10] É importante que se perceba que nos é perfeitamente
claro que esta linha simplificada de argumentação não subsume as infinitas
variantes que, a cada passo, se estabelecem em contraponto a esta grande
dinâmica; mas o que se quer destacar é que a grande linha determinante da
civilização ocidental é a acima exposta, para a qual, justamente, as variações
nada mais são do que desvios necessitados de correção. Ao longo de nossos
trabalhos, procuramos tratar diferenciadamente cada elemento, o que,
naturalmente, não se pode dar em um texto da presente
natureza.
[11] Em nosso texto “O século XX e a desagregação da
Totalidade – a composição profundado século XX: aproximações” in: SOUZA, Ricardo
Timm de. Totalidade &
Desagregação..., Op. cit., p. 15-29, desenvolvemos com mais vagar esta
reflexão.
[12] Defendemos esta posição compreensiva especialmente em
nossos livros Totalidade &
Desagregação... e Sujeito, Ética e
História...
[13] Cf. nosso ensaio “Sartre e a ambigüidade da percepção”,
in: SOUZA, R. T., Totalidade &
desagregação..., op. cit., p. 81-100.
[14] Cf. nosso artigo “Husserl e Heidegger: motivações e
arqueo-logias” in: SOUZA, R. T., O tempo
e a Máquina do Tempo..., op. cit., p. 49-80.
[15] Cf. LEVINAS, Emmanuel. “A consciência não-intencional”
in: LEVINAS, E. Entre nós - Ensaios sobre
a alteridade, Petrópolis, Vozes, 1998
[16] Cf. nosso ensaio “O delírio da solidão - o assassinato
e o fracasso original”, in: SOUZA, Ricardo Timm de. Sentido e Alteridade – Dez ensaios sobre o
pensamento de E. Levinas.
[17] Cf. nosso livro cit. Totalidade & Desagregação...
.
[18] Ao contrário do que supõem certos hermeneutas de
primeira hora, postular a ética como filosofia primeira não significa
“abandonar” a ontologia, tarefa provavelmente impossível e absolutamente
desnecessária; mas, antes, questionar construtivamente o sentido da espessura
ontológica do real e o monismo auto-referente e neutralizante nos quais a maior
parte das grandes filosofias têm depositado o melhor de suas
esperanças.
[19] Zweistromland,
op. cit., p. 387.
[20] ROSENZWEIG, Franz.
Das Büchlein des gesunden und kranken
Menschenverstandes, Frankfurt, Suhrkamp, 1992, p.
98.
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