ÉTICA E DESCONSTRUÇÃO - JUSTIÇA E LINGUAGEM DESDE “FORCE DE LOI: LE ‘FONDEMENT MYSTIQUE DE L’AUTORITÉ’”, DE J. DERRIDA
Ricardo Timm de Souza
I.
“La ruine n’est pas à mes yeux une chose négative”
J. Derrida[1]
“Car enfin où la déconstruction trouverait-elle
sa force, son mouvement ou sa motivation
sinon dans cet appel toujours insatisfait, au-delà
des déterminations donées de ce qu’on appelle, dans de
contextes déterminés,
la justice, la possibilité de la justice?”
J.
Derrida[2]
Muito diz sobre um determinado
pensamento as reações que este suscita. Tessituras mentais diletantes,
fantasmagorias inofensivas, delírios mansos revestidos de pretensa credibilidade
intelectual, reformismos, superfluidades e endogenias da tradição não costumam
provocar mais do que olhares cúmplices ou complacentes. Seu lugar os espera
ainda antes de surgirem; pertencem já à lógica das adequações, antes mesmo de se
saberem adequados. Engrenagens tautológicas, seu vigor e sua vida consistem em
se acoplarem às prévias determinações do “bom comportamento”, e é nisso que se
esgotam. Não chegaram a nascer, ou melhor, morreram antes de nascer, porque o
essencial de sua realidade é permanecerem inócuas à realidade à qual se
dirigem.
Outros modelos de pensamento há,
porém, que parecem ter o estranho poder de suscitar, no núcleo da racionalidade
hegemônica, reações desmesuradas, histéricas e mesmo francamente paranóicas;
funcionam como catalisadores do delírio e da intolerância, e, por tocarem a
medula de algo certamente muito precioso, verão mobilizadas contra si todas as
armas que o medo e a insegurança podem destilar quando se vêem ameaçados, do
preconceito[3]
à ridicularização pura e simples.
Este é certamente o caso do
movimento filosófico conhecido sob o nome de “Desconstrução”. A desconstrução já
foi acusada, entre muitas outras coisas, de “fascista”[4];
“fraude intelectual” e “obscurantismo terrorista”[5];
mais próximo de nós, e em terras brasileiras, a desconstrução e alguns de seus
representantes, vagamente reunidos sob o nome de “pós-modernismo”, receberam o
sugestivo epíteto de “favela intelectual” – não por algum estudante ou repórter
desinformado, mas pelo festejado filósofo norte-americano da linguagem John
Searle, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo. “Houve um desastre: o
advento de uma facção anti-racionalista conhecida como pós-modernismo: é uma
espécie de favela intelectual. Se tiveste cem anos pela frente, entraria para
fazer a limpeza... (e, ao ser pressionado para dar nome)...Derrida, de Man” –
assim se pronunciou o fino analista ao ser questionado sobre a comunidade
intelectual de seu país[6].
Uma reação a tal ponto histérica dá
o que pensar. A pergunta de Rajagopalan se põe por si mesma: “Por que motivo
alguém como Searle, um filósofo de grande destaque e inquestionável prestígio e
reconhecimento no campo de Filosofia Analítica, se sentiria tão ameaçado pela
desconstrução?”[7].
Estaria Searle ainda ressentido com os embates de Limited Inc.?[8]
De qualquer forma, eis aí uma questão altamente curiosa.
Porém, ela não é apenas curiosa. Ela
é decisiva para a compreensão dos fatos e das lógicas de poder por detrás das
teorias.
Para o delineamento de uma resposta,
neste caso específico (que é apenas um entre inúmeros, não apenas no que diz
respeito a este autor, mas no que tange a muitos outros), não é necessário algum
tipo de garimpo exasperante no universo das milhares de páginas escritas por
Derrida; a abordagem de apenas um texto fundamental entre muitos outros é mais
que suficiente para indiciar respostas que nos parecem altamente pertinentes a
tão grave questão.
Um texto privilegiado, porém, que
fala de justiça, ética, força, violência, lei, walten, Gewalt, “to enforce the law”– e de seus
sentidos, possibilidades e impossibilidades. “Force de Loi – le fondement
mystique de l’autorité” – trabalho que nos propomos a aqui analisar – é em
muitos sentidos paradigmático. Não apenas irrompe no universo da desconstrução
com uma potência e uma clareza que inviabilizam quaisquer esperanças de
inofensibilização do núcleo real da desconstrução, como explicita um vasto leque
de sugestões e derivações implícitas ao longo de muitos textos, sugestões que
têm a ver com o que realmente importa no processo de desconstrução.
Assim, o objetivo deste texto não é
utilizá-lo como pretexto para
mergulhar na vasta literatura crítica, em variadas línguas, já existente sobre o
mesmo – da qual os artigos que aparecem no mesmo volume onde se situa
originalmente “Force de Loi” são um primeiro exemplo representativo. Sua ambição
é bem mais modesta e definida: trata-se de destacar o que nos parece decisivo,
no conjunto desta conferência, para que se compreenda em que sentido asserções
fortes – como a que, a certa altura, identifica a desconstrução com a justiça –
são não somente o anverso de lugares-comuns que parecem ter fixado domicílio no
imaginário filosófico, não somente nacional, a respeito deste modelo de
pensamento, como repropõem aquilo que consideramos o propriamente necessário ao
pensamento contemporâneo: o autoconfronto consigo mesmo e seus hábitos, ou, o
que dá no mesmo, o confronto de si com o que o sustenta. É apenas neste sentido
que o nosso texto, sim, é um pré-texto para, na medida em que tal é de
competência das ciências humanas, expor as fímbrias de mais uma (e apenas mais uma) radical possibilidade
de aproximação de certas estruturas de violência que não habitam o mundo das
idéias e das boas vontades, mas exercem seu poder no cerne real das relações
humanas que, anteriores às construções científicas, são por estas literalmente
manipuladas, na reprodução de
estruturas de poder espúrio encontráveis nos mais diversos níveis da vida
nacional e global[9].
II.
A primeira questão e,
simultaneamente, a questão mais importante, é posta por Derrida ao início do
texto. O Colóquio, no qual esta conferência é proferida, leva o nome de
“Deconstruction and the possibility of Justice”. O conetivo “e”, este “and” que
aproxima dois universos em princípio separados – a desconstrução e a questão da possibilidade da justiça
– indica já o cerne do tema e da sua polêmica. Qual o sentido desta articulação?
Este título sugere uma
questão que toma já por si a forma de uma suspeita; a desconstrução assegura,
permite, autoriza a possibilidade da justiça? Torna ela possível a justiça ou um
discurso conseqüente sobre as condições de possibilidade da justiça? ... Terão
os assim chamados desconstrucionistas alguma coisa a dizer sobre a justiça,
alguma coisa a ver com a justiça?... Não será possível, como supõem alguns, que
a desconstrução não só não permite nenhuma ação justa, nenhum discurso justo
sobre a justiça, mas se constitui mesmo em uma ameaça contra o direito e a ruína
da possibilidade propriamente dita da justiça? Sim, respondem alguns, não,
responde o outro partido.[10].
Chegamos, neste nível da polêmica, a
uma primeira constatação. Não há, na
desconstrução, a inequivocidade das interpretações já acabadas. Em outros
termos, ocorre já a visibilidade do complexo que interpenetra e simultaneamente
afasta dimensões de realidade que se aproximam – no caso (e levando-se em
consideração que o colóquio foi organizado por juristas), o que aqui se
evidencia é o agudizar-se da tensão entre justiça e direito – “...se anunciam já
as interpenetrações entre direito e justiça. O sofrimento da desconstrução, onde
ela sofre ou onde sofrem os que ela faz sofrer, é possivelmente a ausência de
regra e de critério assegurado para a distinção não equívoca entre o direito e a
justiça”[11]
Derrida analisa algumas
particularidades da língua inglesa que tem a ver com elementos internos ao
processo da efetividade da lei ou do
direito. As expressões “to enforce the law” – como “the enforceability of the law or of
contract” -, se diferenciam claramente de uma expressão mais “neutra” como, por
exemplo, “aplicar a lei”. “Enforceability”, esta força interna da expressão da
língua inglesa parece, segundo ele, conduzir à conclusão de que, por um lado, a
justiça do direito é de algum modo sua própria aplicação[12];
e, por outro, de que, por uma tal expressão, como que “não há direito que não
implique, em si mesmo, a priori, na
estrutura analítica de seu conceito, a possibilidade de ser ‘enforced’,
aplicado pela força. Certamente há leis não aplicadas, mas não leis sem
aplicabilidade ou de ‘enforceability’ de lei sem força, seja esta força direta
ou não, física ou simbólica, exterior ou interior, brutal ou sutilmente
discursiva e hermenêutica, coercitiva ou reguladora, etc.”[13].
Como, agora, distinguir entre esta
“força da lei” e a violência julgada injusta? Tomando o exemplo do alemão: como
distinguir a violência (Gewalt) do
exercício da administração derivada do poder (walten, verbo do qual Gewalt deriva)? São afinal
distinguíveis? Não desemboca a vontade de justiça, através do exercício da força
que é ínsita a si mesma e que se concretiza em sua formalização e no efetivar-se
não-formal desta formalização, finalmente na violência da injustiça realizada?[14]
Esta questão, central para a
compreensão profunda dos liames entre direito e justiça, é alvo de freqüente
atenção por parte de variadas escolas filosóficas contemporâneas, como, para
citar um exemplo privilegiado, os modelos de ética da Alteridade derivados do
pensamento de Levinas; nos próprios textos da chamada Desconstrução, vem sendo
tratada com cuidado. O próprio Derrida ressalta o enorme cuidado que a
utilização da palavra ‘força” – “expressão muito freqüente, pode-se dizer
decisiva em lugares estratégicos”[15]
– exige continuamente. Expressão, palavra, “...sempre acompanhada de uma reserva
explícita, de uma mise en garde...
Chamei muito freqüentemente à vigilância, dei-me conta sobre os riscos que esta
palavra oportuniza, seja o risco de um conceito obscuro, substancialista,
oculto-místico, seja o risco de uma autorização dada à força violenta, injusta,
sem regra, arbitrária”[16].
III.
Há que tratar tal força com cuidado,
portanto; não é incomum tender a considerá-la uma dimensão auto-realizativa da realidade, uma
dimensão que se justifica à medida em que se realiza, e cuja realização é
substância de sua própria determinação e índice maior de sua realidade, como, em
certa medida, tende a acontecer com os modelos iluministas de liberdade[17].
Derrida ressalta o fato de ser
possível reenquadrar a questão da força no contexto de estabelecimento da diferença – entendida, evidentemente,
como “dinâmica diferencial”, no sentido da desconstrução, e não como categoria
lógica entre outras. “Trata-se para mim sempre da força diferencial, da
diferença como diferença de força, da força como différance ou force de
différance (a différance é uma força
diferida-diferidora), da relação entre a força e a forma, a força e a
significação...”[18].
“Força” não é aqui, portanto, mero
exercício de poder, mas – o que é central para as ulteriores reflexões -, se
refere “também e sobretudo às situações paradoxais onde a mais intensa força e a
maior fraqueza se intercambiam estranhamente”[19].
Uma referência indireta à extrema fraqueza que subjaz a muitos exercícios
concretos de violência implícita à força enquanto exercício de poder? Ou mesmo,
uma referência do Outro levinasiano, cujo sentido da apresentação consiste
justamente em se expor de maneira absolutamente ex-posta, por decorrência
absolutamente fraca, frente à força totalizante do Mesmo – tal como a força própria do nascituro radicalmente
frágil consiste em não ter força
alguma no sentido das determinações do Mesmo que pode facilmente
aniquilá-lo? O fato mais determinante neste momento, porém, é o reatualizado
relevo da ambigüidade que habita o
núcleo da potência virtual ou real; a diferença da potência com relação a si
mesma na estrutura propriamente dita de seu exercício.
O que faz, agora, a desconstrução ao
lidar com tais variáveis? Em um primeiro momento, ao não propor como temática
explícita conceitos consagrados como o de “ética”, “justiça” ou “direito”,
parece com eles nada ter a ver; e tal parecer baseia-se, por sua vez, na
nostalgia de um mundo onde tais temas assumissem visibilidade cristalina por
detrás de seus respectivos conceitos – o mundo das tradições mais consagradas e
hegemônicas. A questão é, porém, bem mais complexa. Pois discursos “sobre a
dupla afirmação, o dom para além do intercâmbio e da distribuição, o
indecidível, o incomensurável ou incalculável, sobre a singularidade, a
diferença e a heterogeneidade são também, de parte a parte, discursos pelo menos
oblíquos sobre a justiça”[20].
Pois a questão da justiça também pode, e mesmo, dada a infinita complexidade dos
níveis em que ocorre, deve ser
abordada desde os parâmetros colaterais que definem esta questão como um
problema fundamental. Em outros termos – e esta é uma dimensão que exige
extraordinária vigilância -, não é porque
se fala em “justiça” que necessariamente se tem interesse ou preocupação por
ela; é possível, e mesmo necessário, na fidelidade do desejo de justiça, que
se fale sobre seus correlatos de efetivação ou não, seus conteúdos particulares
e precários, seu questionamento à luz dos desequilíbrios que a pretensão de
equilíbrio provoca (e mesmo de fatos e coisas que nem remotamente lembram a
questão da justiça enquanto preocupação intelectual), para ter da justiça
enquanto fato humano – e não
meramente conceitual – uma aproximação singular, singular e inconfundível como
tudo o que é humano. Por isso, “um questionamento desconstrutivo que começa...
por desestabilizar ou complicar a oposição de nomos e de physis, de thesis e de physis – quer dizer, a oposição entre a
lei, a convenção, a instituição de um lado, e a natureza de outro lado, com tudo
aquilo que elas condicionam, por exemplo – e este não é mais do que um exemplo –
as questões do direito positivo e do direito natural... um questionamento
desconstrutivo que começa... por desestabilizar, complicar ou paradoxalizar os valores como o do
próprio ou da propriedade em todos os seus registros, do sujeito, e do sujeito
responsável, do sujeito do direito e do sujeito da moral, da pessoa jurídica ou
moral, da intencionalidade, etc., e (que parte) de tudo ou a isso segue, um tal
questionamento desconstrutivo é um questionamento sobre o direito e a justiça.
Um questionamento dos fundamentos do direito, da moral e da política”[21].
O que está o autor a ressaltar aqui
é um constitutivo que nos parece fundamental na discussão sobre a questão da
justiça desde um parâmetro contemporâneo de compreensão do tema: a dimensão de
absoluta radicalidade da mesma, que
se opõe a dimensões acessórias do justo enquanto conseqüência de um mundo
gestado sem a preocupação direta, ou seja, primacial, por ele. A justiça, questão
radical por excelência, radica em
dimensões improváveis do real e de sua análise substantiva[22];
sua questão se propõe desde todos os níveis de inteligibilidade, e não apenas
desde os parâmetros consagrados de interpretação essencialista – ou
existencialista – de consideração da moral.
Trata-se, assim, de uma consideração
de viés, oblíqua; evita-se com isso o
ofuscamento dos conceitos que resplandece por detrás da expressão formal de um julgamento
congelado em linguagem já dita. A efetividade da justiça não se confunde com
seus enunciados, e é grande o risco que um enunciado – “tal ação é justa”,
“eu sou justo” – traia exatamente o que profere. “(Abordagem) oblíqua como este
momento mesmo, no qual me apresso a demonstrar que não se pode falar diretamente
da justiça, tematizar ou objetivar a justiça, dizer ‘isso é justo’ e ainda menos
‘eu sou justo’, sem trair imediatamente a justiça, senão o direito”[23].
A justiça não se deixa refletir em seu
conceito, por mais grandioso que este seja, ou por magnífica que seja a
conformação ou a moldura no qual um ato, pretensamente justo, pretende se
cristalizar. A justiça não é um
julgamento ou uma sentença; ela se dá na temporalidade da ação que fornece
elementos para que alguém possa crer poder captá-la em sua realização. Esta
captação, porém, tem tanto a ver com o ato temporalizado quanto, por exemplo, a
memória de um fato tem a ver com o fato mesmo, a saber, muito e pouco, e mesmo
nada; muito, porque sugere uma evocação, pouco, porque não
se confunde com o ato; nada, porque a imagem do ato em nenhuma hipótese faz justiça ao ato que
não mais existe (exceto, na melhor das hipóteses, em suas conseqüências,
como a fotografia de uma festa não traz à
realidade a realidade da festa, mas apenas a evoca na medida das possibilidades,
sugestivas porém restritas. Ocorre a
diferença entre a realização – a
verbalização – da justiça e sua substantivação categorial posterior. E esta
diferença – seu sentido de realidade ou, para falar com Derrida, seu sentido
diferidor, não existe para além de si mesma, mas, exatamente, na inquietude de
si mesma, e apenas ali. Singular,
absolutamente singular, como tudo o que é humano.
Em outros termos, de certa forma a justiça é o tempo, tempo que é
escândalo do conceito.
IV
Mas é necessário, neste ponto,
retomar a articulação entre justiça e força. Sem entrar nas considerações do
próprio Pascal, que se refere, em vários momentos, à questão da relação entre
justiça e força, com desdobramentos muito complexos (por exemplo, no Pensamento
272(298), citado e analisado por Derrida: “Justiça, força. – É justo que seja
obedecido o que é justo, e é necessário que se siga o mais forte. A justiça sem
a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica. A justiça sem força é
contestada, porque sempre existem malvados; a força sem justiça é acusada. É
preciso, pois, unir a justiça e a força; e, com este fim, com que o justo seja
forte, ou com que o forte seja justo...”[24]
), é possível retroagir, através de Pascal, a Montaigne, no que se refere à
expressão “fundamento místico da autoridade”. Com efeito, nos Ensaios, III, XIII
– “Da experiência”, Montaigne fala do “fundamento místico da autoridade das
leis” – “As leis são obedecidas não porque sejam justas, mas porque são leis: é
o fundamento místico de sua autoridade, elas não têm outro...”[25].
Assim, não é a justiça que garantiria às leis sua credibilidade enquanto tal,
mas o fato de serem leis, fato que
repousa no mistério de sua origem, o fundo místico de sua autoridade. “(segundo
Montaigne) a justiça do direito, a justiça como direito, não é a justiça. As
leis não são justas enquanto tais. Não se lhes obedece porque sejam justas, mas
porque têm autoridade”[26].
Tanto em Montaigne como em Pascal –
na articulação em conjunto das questões do direito e da justiça – é possível
perceber, num primeiro nível, as premissas de uma “filosofia crítica moderna...
uma crítica da ideologia jurídica, uma dessedimentação das superestruturas do
direito que simultaneamente dissimulam e refletem os interesses econômicos e
políticos das forças dominantes da sociedade... o que seria possível e sempre
útil”[27].
Num segundo e mais complexo nível,
as reflexões pascalianas se referem a uma imbricação mais sutil, porém não menos
incisiva, a uma dimensão fundante que habita já o momento de surgimento da
justiça e do direito:
O surgimento mesmo da justiça e do
direito, o momento constituinte, fundador e justificador do direito, implica uma
força performativa, que significa sempre uma força interpretativa: não, desta
vez, no sentido de que o direito esteja a serviço da força, o instrumento dócil,
servil e todavia exterior ao poder dominante, mas no sentido de que o direito
entretém com o que se conhece por força, poder ou violência uma relação mais
interna e mais complexa. A justiça no sentido do direito... seu momento
propriamente dito de fundação ou instituição..., a operação que consiste em
fundar, em inaugurar, em justificar o direito, em elaborar a lei, consistiria em
um coup de force, em uma violência
performativa e todavia interpretativa que, nela mesma, não é nem justa nem
injusta, e que nenhuma justiça nem nenhum direito prévio ou anteriormente
fundador, nenhuma fundação preexistente poderia, por definição, garantir,
contradizer ou invalidar[28].
No núcleo da fundação ou da
instituição da justiça qua proposição
de lei habita assim uma tensão original e originante, prévia à sua ordenação
categoricamente inteligível: uma linguagem mais original que a inteligibilidade
derivada de sua articulação lógica retroativa em termos de ex-plicação,
jus-tificação – “nenhum discurso justificador pode ou deve assegurar o papel de
metalinguagem com relação à performatividade da linguagem instituinte ou a sua
interpretação dominante”[29].
A isso, a este limite do discurso nele mesmo enquanto performatividade
original - “...um silêncio murado na estrutura do ato fundador... murado, porque
este silêncio não é exterior à linguagem” - propõe Derrida a designação de “o
místico”, num sentido, porém, menos próximo de Montaigne e de Pascal que de
Wittgenstein[30].
Assim,
A origem da autoridade, a fundação
ou o fundamento, a posição da lei, não podem, por definição, se apoiar senão finalmente
sobre si mesmas, elas são uma violência
sem fundamento. O que não quer dizer que elas são injustas em si, no
sentido de ‘ilegais’. Elas não são nem legais nem ilegais em seu momento
fundador. Elas excedem a oposição do fundado e do não-fundado, como excedem todo
fundacionalismo ou antifundacionalismo. Mesmo se o sucesso de performativos
fundantes de um direito (por exemplo, e é mais que um mero exemplo, de um Estado como garantia do direito),
mesmo se este sucesso supõe condições e convenções prévias (por exemplo, no
âmbito nacional ou internacional), o mesmo limite ‘místico’ ressurgirá na origem
suposta de ditas condições, regras ou convenções, e de sua interpretação
dominante[31]
Estamos aqui às voltas com dimensões
extremamente perigosas do pensamento. Pois quais as conseqüências imediatas de
uma tal circunstância que se refere a uma origem “mística”, ou seja,
inlocalizável na ordem dura das causalidades, das quais seria como que uma
“causa primeira” na sua condição de
não-circunscrição original? Embora à primeira vista possa parecer que se
está enviando a uma dimensão de irracionalidade original – já que a
racionalidade da ordenação lógica (pelo menos a da ordenação lógica da origem em
relação a seus derivados ou dos derivados à sua origem) está transtornada pela
não-localização original do que se supõe como origem, o tal “fundamento místico”
– parece crível propor o caminho inverso e atacar a questão desde outro
parâmetro de referência:
A
estrutura que descrevo assim é uma estrutura na qual o direito é essencialmente
desconstruível, seja porque ele é fundado, construído por sobre estratos
textuais interpretáveis e transformáveis (e é a história do direito, a sua
possível e necessária transformação, por vezes seu aperfeiçoamento), seja porque
seu último fundamento não é, por definição, fundado.[32]
A desconstrução do direito não
conduzirá, portanto, a uma fundação original do qual deriva, mas simplesmente à
sua historicidade original; seu
“fundamento místico”, para além da visibilidade das origens, funciona não como
um repositório de irracionalidade atávica, mas como garantia de que a história
desta desconstrução não está ainda narrada no núcleo de uma origem primeira
localizável e determinante. Trata-se portanto de uma história com historicidade,
e não de alguma espécie de retorno tautológico – e, em última análise,
dispensável – à origem de si mesma. A racionalidade da desconstrução, esta árdua
razoabilidade histórica, não se confunde, portanto, com uma razão que se
desdobra apenas a si mesma num processo de auto-identificação.
De qualquer modo, estamos aqui no
cerne de “Force de Loi”. Derrida virá a propor a seguir aquilo que ele mesmo
apresenta como sendo o paradoxo que conduzirá, por sua vez, à sua particular
“teoria da justiça”.
Que o direito seja desconstruível
não é uma circunstância infeliz. Pode-se encontrar aí a chance política de todo
progresso histórico. Mas o paradoxo que eu quero submeter à discussão é o
seguinte: é esta estrutura desconstruível do direito, ou, se preferem, da
justiça como direito, que assegura também a possibilidade da desconstrução. A
justiça nela mesma, se tal coisa existe, fora ou para além do direito, não é
desconstruível. Não mais do que a desconstrução ela mesma, se tal coisa existe.
A desconstrução é a justiça.[33]
“A desconstrução é a justiça”.
Justiça para além de suas metáforas, na crueza de seu processamento e na improbabilidade de
sua síntese. O conceito – conceito de justiça – na contracorrente de si mesmo.
Justiça que não sai fora de si, ou seja, que de si não constrói imagens, mas que
se dá apenas em si mesma, no tempo que se exige e na ruptura da totalidade de
sua idéia. A justiça é o paradoxo
propriamente dito, em si mesmo, a paradoxal realidade do real em si mesma, que
não se oferece à idéia clara e distinta de seu reflexo intelectual, que com
ela não mantém nenhum parentesco.
Uma nova e estranha imbricação entre
justiça e direito daí advém:
Pode ser que é porque o direito (que
eu tentarei distinguir constantemente da justiça) é construível, em um sentido
que supera a oposição entre convenção e natureza, é talvez porque ele supera
esta oposição que ele é construível e portanto desconstruível... que ele torna
possível a desconstrução, ou ao menos o exercício de uma desconstrução que,
fundamentalmente, envia sempre a questões do direito. 1. A desconstrutibilidade
do direito, da legalidade, da legitimidade ou da legitimação (por exemplo) torna
a desconstrução possível. 2. A indesconstrutibilidade da justiça torna também a
desconstrução possível, na medida em que se confunde mesmo com ela. 3.
Conseqüência: a desconstrução tem lugar no intervalo que separa a
indesconstrutibilidade da justiça e a desconstrutibilidade do direito, da
autoridade legitimante ou legitimada[34]
É necessário atentar
para o fundamental do que está aqui sendo dito. Não se trata de aplicar, à
dimensão aberta pelas questões de direito e justiça – ou pelas questões da
justiça para além do direito – um procedimento metodológico qualquer, que
levaria incidentalmente o nome provocativo de “desconstrução”; trata-se, pelo
contrário, de derivar do núcleo essencial da questão humana fundamental – sua
sobrevivência enquanto ser propriamente humano (o sentido propriamente dito do humano),
portanto relacional, portanto
intimamente imbricado às dimensões sociais de toda a ordem que tornam a vida
humana possível –, trata-se de derivar daí um exercício de racionalidade que
seja, simultaneamente, a reiteração por este essencial; exercício ao qual advém
o nome de desconstrução. Neste momento, neste caso específico, desconstrução do
processo de Aufhebung deste essencial
em uma sua idéia na qual se realizaria ou que dispensaria o procestamento
concreto de seu sentido através simultaneidade de todos as suas dimensões
possíveis, que se dariam pretensamente de uma vez para sempre em sua síntese
intelectual.
É hora, portanto, de
retomar o título do Colóquio, agora porém, de forma algo alterada: “Dito de
outra forma, a hipótese e as proposições às quais eu aqui experimentalmente me
dirijo apelam mais incisivamente por seu subtítulo: a justiça como possibilidade
da desconstrução, a estrutura do direito ou da lei, da fundação, ou de
auto-autorização do direito como possibilidade de exercício da desconstrução”[35].
Não “Desconstrução e a possibilidade da justiça”, mas “Justiça como possibilidade da desconstrução”,
melhor, como a possibilidade
propriamente dita do exercício da desconstrução. Não se trata da aproximação de
dois universos de sentido, mas da percepção de que o universo infinitamente
disperso dos esforços desconstrutivos conduzem a um ponto, e não a um ponto
arbitrário ou supérfluo entre outros: ao ponto onde se decide o sentido da
racionalidade – a fidelidade ao humano em suas dimensões efetivamente
determinantes, ou seja, as questões da justiça e seus contrapontos.
V
“A desconstrução tem
lugar no intervalo que separa a indesconstrutibilidade da justiça e a
desconstrutibilidade do direito, da autoridade legitimante ou legitimada”. As
premissas estão aqui lançadas, portanto, com toda a clareza. A desconstrução não
se move aleatoriamente em meio às infinitas dimensões da linguagem e dos
sistemas de pensamento, mas se concentra na perspectiva do humanamente
inadiável: reenfoca a sacralidade das promulgações, não para a elas opor um
outro tipo de sacralidade ou intocabilidade, não para entrar em seu jogo infinito de
autolegitimações, mas para habitar a tensão entre a fundação e seus
derivados – a idéia de justiça e suas derivações positivas – e o sentido desta fundação e de seus
derivados – aquilo que, referido pela idéia, não se confunde com idéia alguma.
Sem poder abrir mão de nenhuma destas dimensões, é no intervalo entre ambas as dimensões que a
desconstrução tem lugar: intervalo que traduz o âmbito propriamente dito do humano[36].
A habitação deste
intervalo entre fundação e derivados traz à vista alguns dos mais conhecidos e
pertinazes esforços derridianos: o questionamento das ordens de igualdade e
equalização entre os diferentes, através da identificação de tais procedimentos
com o exercício de um poder incisivo e infinitamente mais violento do que faz
supor a assepsia de uma determinada fórmula – “toda fórmula... equalização das
diferenças – uma ordem e a hierarquia de uma
subordinação” .
Chegamos portanto a um
ponto extremamente complexo da argumentação. Seguir esta mesma lógica
provavelmente não nos levaria a lugar nenhum, exceto à reafirmação (nem ao menos
reiteração no sentido de Derrida) do que por si mesmo se evidencia. Este “si
mesmo” que, abdicando da retórica do convencimento, difuso na dinâmica
intervalar do razoavelmente indescritível que habita por detrás dele e que o
sustenta para além de qualquer conceito, não oferece expectativa nenhuma de
maior clareza do que já possui, até mesmo – ou principalmente – porque sua
substância de realidade não é a
efetivação da clareza a qualquer custo.
VI
Uma mudança de sentido
se faz portanto necessária. Derrida chama a atenção para outra de suas
predileções na língua inglesa – o uso transitivo do verbo “to adress”,
endereçar. Não apenas endereçar uma carta, endereçar-se a alguém, mas endereçar
um problema – endereçar-se a alguém
endereçando um problema. Estamos abandonando o universo das meras descrições
e adentrando o mundo das intenções e dos relacionamentos; estamos nos dirigindo
não somente a algo, mas com algo, sobre algo, a alguém – “nesta noite, estou engajado
por contrato em endereçar em inglês um problema, quer dizer, em me dirigir
corretamente a ele e a vocês, tematicamente e sem détour, endereçando-me a vocês em sua
linguagem... nós estamos já, no fato de que eu falo a língua do outro e rompo
com a minha, no fato de que eu me rendo ao outro, numa singular combinação de
força, justesse e justiça”[37].
O endereçamento ou, em outras palavras, o “dirigir-se a” constitui (pelo menos
neste caso específico), uma condição para o trato do problema da justiça como
tal; a linguagem inverte-se de descrição em (in)vocação – uma invocação que sugere a
abordagem de uma questão aporética e infinita, infinitamente aporética:
E eu devo, é um dever,
‘endereçar’ em inglês, como vocês dizem em
sua língua, os problemas infinitos,
infinitos em seu número, infinitos
na sua história, infinitos na sua
estrutura, referidos pelo título Desconstrução e a possibilidade da justiça.
Mas nós já sabemos que estes
problemas não são infinitos porque sejam infinitamente numerosos ou porque sejam enraizados
no infinito da memória e das
culturas (religiosas, filosóficas, jurídicas, etc.) que jamais dominaremos. Eles são infinitos, se se
pode dizer assim, em si mesmos,
porque eles exigem a experiência da aporia que não é sem ligação com aquilo que eu estou a todo
momento chamando de mística[38].
É a primeira vez, no
contexto, que a justiça é abordada como tal, ou seja, como normalmente é
concebida enquanto uma particularmente complexa questão filosófica. Mas justiça
que não se chama por seu conceito, mas por uma estranha experiência, a saber:
por uma experiência da aporia. Foi de forma altamente indireta que se chegou até
ela, pela porta dos fundos da
questão, se assim se pode dizer. Apresentar-se de forma indireta, chegar sem
o apoio de uma moldura conceitual prévia, não significa, porém, assumir uma
posição acessória ou secundária qualquer: significa ocupar o espaço inteiro da reflexão, o que se
traduz pelo extrapolar a moderação dos conceitos. É em conexão com o tema da
justiça que duas palavras ásperas ao pensamento filosófico fazem sua entrada:
aporia e infinito. Mais: um infinito
aporético e qualitativo.
Quando eu digo que eles (os
problemas da justiça, R.T.S.) exigem a experiência da aporia, entendo com isso
duas coisas, já muito complicadas. 1. Uma experiência é uma travessia, como seu
nome indica, ela passa através e viaja em direção a um destino ao qual ela
encontra a passagem. A experiência encontra a passagem, ela é possível. Ora,
neste sentido não pode haver uma experiência plena da aporia, quer dizer,
daquilo que não deixa passagem. Uma aporia é um não-caminho. A justiça será,
desde este ponto de vista, a experiência daquilo de que não podemos fazer
experiência... Mas 2. eu creio que não há justiça sem esta experiência, por
impossível que seja, da aporia. Uma vontade, um desejo, uma exigência de justiça
na qual a estrutura não seja uma experiência da aporia não teria chance alguma
de ser o que ela é, a saber, o apelo justo da justiça. Cada vez que as coisas se
passam e se passam bem, cada vez que se aplica tranqüilamente uma boa regra a um
caso particular, a um exemplo corretamente subsumido, segundo um julgamento
determinante, pode-se estar certo de que o direito foi cumprido, mas não a
justiça. O direito não é a justiça. O direito é o elemento de cálculo, é justo
que haja o direito, mas a justiça é incalculável; e as experiências aporéticas
são tão improváveis como necessárias da justiça, quer dizer, são momentos nos
quais a decisão pelo justo e pelo injusto não é jamais assegurada por uma
regra[39]
Justiça como
radical “experiência da aporia”: imprevisibilidade total, da qual nenhuma regra
dá conta, que de nenhuma regra deriva, nem ao menos das complexas regras do
pensamento bem-ordenado. Nem mesmo a empiria mais básica, a dimensão mais bruta
da realidade em sua espontaneidade pré-reflexiva – se tal existe – pode fazer
justiça à exigência de justiça. Intrusão incalculável no espectro do possível, a
justiça realizada – e não há outra, sua “outra” não é a justiça não realizada,
ou a justiça “ainda” não realizada, mas a injustiça propriamente dita – não se
equilibra no pensamento, não equilibra o pensamento, nem recompõe uma ordem
perdida – tais são dignas tarefas do direito exercido com justeza. O que a
justiça faz a rigor é inaugurar o
novo no campo dos acontecimentos da realidade, na história, nas grandes e
pequenas histórias que existem enquanto, exatamente, expectativa de justiça. É por isso que
se trata de uma paradoxal “experiência aporética”. A categoria de “experiência”,
como a categoria de “aporia”, são “reinventadas” no exercício da realização
da justiça; nunca existiram antes neste contexto de sentido, seu passado
empírico e lógico não é suficiente para lhes fornecer elementos suficientes que
dispensassem sua radical reconfiguração em um contexto no qual seu conceito não
as sustenta, mas envia para além de si, para a substância a que servem: a
justiça enquanto realização em si, e
não como conseqüência da execução de uma regra. E esta reinvenção – que é também
uma espécie de invenção ex nihilo, se
dá no exato contexto da estranha contradição que ambas formam enquanto, pela
tradição normal, mutuamente
excludentes. E é por serem mutuamente excludentes que tal combinação se
possibilita para além da norma do possível, do possível “normal”. Em outros
termos, uma experiência absolutamente
nova, se o termo “absolutamente” não recai em articulações edificantes do
intelecto, e se o termo “nova” diz mais do que a realização ou plenificação do
antigo, ou seja, mais do que a tautologia. Improbabilidade absoluta, a
realização da justiça é, em seu termo propriamente constituinte, criação – criação da situação de
justiça, criação “pela primeira vez” da justiça. Infinitos precedentes podem se
haver dado, precedentes de realização da justiça; a justiça realizada é, porém,
sempre única, única em meio ao
múltiplo que configura a realidade em sua mais remota origem[40].
É porque esta origem é múltipla que a unidade – a unicidade, o próprio do ato justo único e
incomparável, não obstante a aparência de comparabilidade que um ato justo
mantém com qualquer outro ato justo – pode ter sentido. Unicidade tornada
possível unicamente porque na origem se dá a multiplicidade; e exercício de
justiça que é relação entre os únicos que surgem porque não se confundem mutuamente em nenhum
sentido, porque são, em seu sentido de únicos, múltiplos. “Experiência da aporia”, a
justiça é incalculável porque os
múltiplos são demais, em número excessivo para o cálculo, já que habitam a
origem da racionalidade; e são simultaneamente estranha e definitivamente únicos, na exigência – exigência de
justiça – em que propriamente se constituem, e que chamam à vida.
VII
A sugestão já está dada. Ela sugere,
de forma cada vez mais incisiva, que a linguagem tem, neste contexto, uma
importância cada vez mais marcada.
A justiça não é uma
questão que possa ser, de alguma forma, neutralizada num espaço intelectual. Ela
é sempre uma atitude, um endereçamento, um “dirigir-se a” – ela
envolve sempre, em todos os seus sentidos e em todas as suas formas, mais de um,
e este “mais de um” significa, exatamente, o núcleo daquilo que, observado desde
um viés analítico, se mostra impossível: a “experiência aporética” da justiça, a
justiça baseada em uma experiência
impossível.
Quaisquer concepções da
linguagem que suponham ser possível subsumi-la in toto em um nível intelectual
pretensamente mais alto, mais depurado, menos contaminado pelas circunstâncias
que, a rigor, a suportam e constituem, qualquer modelo de estudo da linguagem
que a reduza a proposições logicamente analisáveis, num campo de abrangência ou
circunscrição controlável, abstraindo da multiplicidade na qual ela pode ter
algum sentido de endereçamento,
quaisquer destes modelos e proposições são, definitivamente, incapazes de
tolerar ao menos o peso que este dirigir-se a significa. Porém, este
“dirigir-se a” é que constitui a possibilidade de efetivação, não da idéia da
justiça, mas do que, em referência à questão da justiça, suporta que ela seja concebida inclusive como categoria interpretativa
ou conceito intelectual operativo, analisável ou referencial: como
idéia.
Em suma, trata-se de uma
questão não de derivação, mas de anterioridade: a linguagem como tal é anterior à sua organização intelectual
em termos de categorias analíticas – ainda que tal só possa ser percebido a posteriori, o que faz que se confunda
o factum do endereçamento com a
análise deste fato, ou seja, que se confunda o que possibilita o dirigir-se a com a análise possível,
sempre posterior, deste “direcionamento”. Em outros termos, o sentido da
linguagem expressa-se desde o “dizer”, na “verbalização”, na “diacronia” na qual ela originalmente se
constitui, e não no “dito”, na análise do que, deste dizer, é preservado em
termos de organização intelectual sincrônica.
A linguagem mantém com a
justiça, portanto, este estranho parentesco: ambas oferecem-se, enquanto tais,
como que cedo demais para a
capacidade analítica do intelecto. Aí repousa seu profundo paradoxo: aquilo que,
de fato, se dá na análise filosófica de toda a realidade, da realidade como tal
– ou seja, o dado de que esta análise, para ser análise, pressupõe uma base de
trabalho prévia, a saber, aquilo que será, que é analisado – se propõe de forma eminente na questão da justiça como da
linguagem, ou seja, justiça e linguagem enquanto realidade propriamente dita (aquilo que suporta
sua posterior nominalização) resistem menos ao seu “equacionamento” intelectual,
resistem ainda menos que os dados empíricos “normais” do real elevados a seu
conceito e então ex-plicados a partir deste seu conceito. O “escandaloso” no
aqui exposto é que linguagem e justiça somente se mantêm enquanto tais na medida
em que não são objetos de análise que pretenda expor seu núcleo de sentido;
suportam apenas a análise de seus contextos, derivações, condicionamentos,
articulações mútuas e outros dados que nada dizem de sua realização plena,
porque tais análises chegam atrasadas à sua realização plena, e são análises do
que não lhe é essencial, mas do que, para usar uma categoria consagrada na
tradição, lhe é meramente acidental.
Tal como a descrição de uma pessoa, por mais acurada que seja, não supera o
nível do anedótico – nenhuma pessoa, enquanto alteridade em si mesma, é
congruente com sua descrição por um terceiro – a reflexão sobre a justiça
realizada, sobre a linguagem realizada, nada pode dizer senão sobre aquilo que,
ausente fosse do contexto analisado, em nada invalidaria o efetivamente
realizado.
Por que isso? Porque uma
dimensão fundamental da realidade, e que a suporta como tal, a temporalidade do real, o real que é
primariamente temporalidade, não pode ser abstraída de sua existência
propriamente dita. Temporalidade que significa multiplicidade original, desvão interno
na idéia de unidade, idéia que aliás somente pode surgir se a multiplicidade
(que é sempre multiplicidade temporal) é abstraída em sua diferença e
sintetizada num todo sincrônico.
Dá-se o tempo, portanto
– o tempo com seus percalços e possibilidades, e é apenas no tempo explícito de sua
realização que justiça e linguagem podem ter sentido enquanto tais.
VIII
Algo as aproxima
extremamente, portanto, justiça e linguagem. Esta aproximação, porém, nada tem a
ver com a identificação de espécies de um mesmo gênero. Trata-se antes de uma
decorrência da realidade enquanto multiplicidade, ou seja, do real enquanto construção de relações e de
sentidos destas relações. No núcleo deste evento pulsa o mesmo paradoxo que
escandaliza a razão enquanto síntese; Derrida traz um exemplo de
tal:
Endereçar-se ao outro na
língua do outro, é também, ao que parece, condição de toda justiça possível, mas
tal parece não somente impossível, rigorosamente falando (pois eu não posso
falar a língua do outro a não ser na medida em que me aproprio dela e a assimilo
segundo a lei de um terceiro implícito), mas até mesmo excluído pela justiça
como direito na medida em que ela parece implicar um elemento de universalidade,
o recurso ao terceiro que suspende a unilateralidade e a singularidade dos
idiomas... Quando me endereço em inglês a alguém, é sempre uma prova para mim.
Para meu destinatário, também para vocês, eu imagino. Mais do que lhes explicar
porque e de perder tempo com isso, eu começo in media res, por algumas observações
que articulam, para mim, a gravidade angustiante deste problema da língua à
questão da justiça, da possibilidade da justiça.[41]
Uma observação
importante tem a ver com a impossibilidade da realização ideal de um campo de
abrangência de tal ordem que a “equivalência lingüística” seja de fato atingida;
em toda construção intelectual – ainda numa construção mental compartilhada
entre pessoas de boa vontade e movidas pela intenção de aceitação do outro
enquanto outra língua (que envia a outra linguagem),
permanecem muito vivos os resquícios de incompreensibilidade – melhor, de
incompreensão (não por insuficiência racional, mas por posição de referência relacional e
intelectual) que acabam por preservar excessivamente viva a possibilidade de
exercício da injustiça:
Nós poderíamos
multiplicar os exemplos dramáticos de situações de violência onde alguém julga
em um idioma que a pessoa ou grupo de pessoas julgadas não compreendem muito
bem, ou não compreendem absolutamente.E por ligeira ou sutil que seja aqui a
diferença de competência no domínio de um idioma, a violência de uma injustiça
já começou quando os membros de uma comunidade não compartilham de um mesmo
idioma. Como, rigorosamente falando, esta situação ideal não é jamais possível,
podemos tirar daí algumas inferências acerca do que o título de nossa
conferência chama de “possibilidade da justiça”... Esta injustiça supõe que o
outro, a vítima da injustiça da língua, seja capaz de uma língua em geral, seja
um ser humano como animal falante, no sentido que nós, os homens, damos a esta
palavra “linguagem”. Além disso, houve já um tempo que não está longe nem
acabou, onde “nós, os homens” queria dizer “nós, os europeus adultos machos
brancos carnívoros e capazes de sacrifícios”[42].
E o sacrifício,
“sacrifício carnívoro... fundamental na nossa cultura... dominante, regrado pela
mais alta tecnologia industrial, como o é a experimentação biológica em animais
– tão vital à nossa modernidade”[43]
– este sacrifício, que se aproxima de “todos os canibalismos, simbólicos ou não,
que estruturam a nossa intersubjetividade no aleitamento, no amor, no luto e, em
verdade, em todas as apropriações simbólicas e lingüísticas”[44],
indica, para além de si, formas de estruturação do sujeito humano “(de
preferência e paradigmaticamente o macho adulto, mais do que a mulher, a criança
ou o animal)”[45].
Uma aproximação
desconstrutiva desta estruturação sacrificial não trará à vista meras
polaridades tais como justiça-injustiça, nem avançará uma pretensa tese que
tornaria obsoleta esta oposição, mas – e aqui se dá um estranho paradoxo
construtivo da desconstrução – indicará, “em nome de uma exigência mais
insaciável de justiça”, a “possibilidade de uma re-interpretação de todo aparato
de limites em que uma história e uma cultura puderam confinar sua
criteriologia”[46].
Portanto, a
desconstrução nada tem a ver com neutralidades hipócritas no que tange às
questões fundamentais da justiça e da injustiça (“aquilo que se chama
correntemente de desconstrução corresponderá não à confusão que alguns têm
interesse em divulgar, a saber, a uma abdicação quase niilista frente à questão
ético-política-jurídica da justiça e frente à oposição do justo e do injusto”[47]),
mas radicaliza estas questões, de uma forma que dificilmente caberia num quadro
conceitual tradicional, num movimento que, por um lado, aponta no sentido de
uma
“...responsabilidade sem limites, e
assim necessariamente excessiva, incalculável, frente à memória; e, assim, a
tarefa de recordar a história, a origem e o sentido, e assim os limites, dos
conceitos de justiça, de lei e de direito, de valores, normas e prescrições que
se impuseram e sedimentaram, permanecendo mais ou menos legíveis ou
pressupostos... A desconstrução é já engajada por esta exigência de justiça
infinita que pode tomar o aspecto desta “mística” à qual eu me refiro a todo
momento... É necessário entendê-la, lê-la, interpretá-la, tentar compreender de
onde provém, o que ela exige de nós, sabendo o que realiza através dos idiomas
singulares... e desta forma sabendo que a justiça sempre se endereça à
singularidade, à singularidade do outro, apesar de ou porque pretende a
universalidade... por conseqüência, jamais ceder sobre este ponto, mantendo uma
constante interrogação sobre a origem, fundamentos e limites de nosso aparato
conceitual, teorético e normativo sobre a justiça, o que é, de parte da
desconstrução, tudo menos uma neutralização do interesse pela justiça, uma
insensibilidade à injustiça”[48].
...e que significa, por outro lado,
uma responsabilidade que, frente à memória, “é uma responsabilidade frente ao
conceito mesmo de responsabilidade que regula a justiça e a justeza (justesse)
de nossos comportamentos, de nossas decisões teóricas, práticas,
ético-políticas”[49].
Tudo envia a uma intensa des-proporção, um descontrole
conceitual, a uma espécie de momento criador que simultaneamente habita e
origina os intervalos históricos-sociais nos quais as transformações e as
revoluções jurídico-políticas têm lugar – desproporção que é também uma
exigência de retomar, de forma incessante e sempre re-qualificada, a questão da
justiça enquanto questão humana fundamental.
IX
A justiça, a questão da justiça e da
injustiça, se apresenta assim, portanto, como a tarefa por excelência da desconstrução,
sua motivação original bem como a referência continuada de seu exercício.
Porém “desconstrução” significa,
também, uma ousadia para além das moderações, dos controles e meios-termos das
tradições, dos meios-termos intelectuais tão bem cultivados por certos tipos de
pensamento que fazem de seu pretenso equilíbrio sua tentação maior[50];
através da tensão de fronteiras do pensamento, chega-se à des-neutralização de
todo e qualquer pensamento. E isso não por algum capricho filosófico qualquer,
mas porque o pensamento, enquanto reflexão da vida vivida, na manutenção da
fidelidade ao real e ao mundo, não se pode permitir passar ao largo da tensão
contínua, do movimento e da construção do sentido – da radical não-neutralidade
– nos quais a vida, a realidade e o mundo se constituem propriamente enquanto
tais (quer dizer, enquanto não meros reflexos estático-intelectuais de si
mesmos).
Por isso, é não somente possível,
mas fundamentalmente necessário, que se abra a possibilidade de abordagem de dimensões de sentido não previamente
resolvidas num construto racional qualquer, sem que isso signifique algum
tipo de aposta em algum tipo de irracionalidade. É disso que vive o ser humano;
em outras palavras, é isso que o constitui: a aposta no futuro, ou seja, no
tempo da construção do sentido.
As mais urgentes das questões exigem as mais
ousadas das respostas; a filosofia, que, por sua origem e sua vocação,
aborrece a pusilanimidade de qualquer ordem, vê aí não seu escândalo, mas sua
possibilidade pura e simples.
Qual questão humana se coloca hoje,
em termos de urgência que significa vida e sobre-vivência, ao nível das questões da
justiça e da injustiça? Como pode ser concebida qualquer realidade, se esta
realidade radical – a possibilidade de o humano subsistir na construção de uma
sociedade ética, quer dizer, que sustente a possibilidade de a vida continuar –
não é re-proposta desde a raiz da própria
possibilidade de conceber toda e qualquer realidade? Como filosofar, se a filosofia esquece que a
sua condição mais original de possibilidade, sua determinação definitiva, é a
manutenção da vida em geral (o que inclui a vida de quem filosofa), e esta
manutenção exige a construção de condições éticas fundamentais em termos de
efetivação da justiça enquanto realidade efetivada?
Portanto, a aposta no inusitado e na
ousadia real do pensamento não significam, hoje, nenhuma extravagância, e sim a
aposta na possibilidade de continuar pensando para além das tautologias e
sistemas de pensamento que transformam a vida em geral – e a vida humana em
particular – num apêndice de interesses outros que aqueles que a dignidade
humana exige desde si mesma.
No campo específico da desconstrução
– e em articulação com as exigências intelectuais da tradição – Derrida chamará
tais ousadias, no presente contexto e no que concerne à questão da justiça, de
“aporias”. Aporias, porém, que derivam não de escolhas intelectuais incidentais
quaisquer, mas exatamente do núcleo
onde as determinações de futuro do próprio pensamento – do pensamento enquanto
estranhamento de sua tentação auto-referente (estranhamento que surge por seu
atrito, exatamente, com a diferença) se determinam desde o pulsar original do
próprio pensamento que não repousa, que
não pode repousar sem aniquilar a si mesmo[51].
Núcleo que, no essencial de sua determinação, se constitui em “uma aporia única
cujo potencial aporético se distribui ao infinito”[52].
A referência aqui é o conceito de
justiça de Levinas, do qual Derrida se aproxima devido exatamente à sua
irredutibilidade à potência intelectual do Mesmo – na medida em que, ao ser a
relação com o Outro, alteridade que não constituo, refere-se à infinitude ética
que minha finitude intelectual não é capaz de organizar[53].
Esta tensão é desdobrada no âmago das questões que, em termos de justiça, são
eminentemente decisivas. Não fazem parte, portanto, de aspectos acessórios das
questões da justiça; antes, constituem estas questões propriamente ditas,
enquanto tais, enquanto irredutíveis à sua idéia, e das quais a idéia não é e
não pode ser mais, exatamente, que uma “idéia”.
Numa forma que daí deriva, alguns
exemplos de decorrência deste potencial aporético são “endereçados” por Derrida:
a “epoché da regra”, “a fantasmagoria do indecidível” e a “urgência que barra o
horizonte do saber”.
a) A
“epoché da regra”
Esta “aporia” refere-se à conhecida
questão da responsabilidade daquele que julga. Ninguém que julga, julga senão
conforme alguma regra, algum regramento ou critério prévio; e, todavia, todo
aquele que julga julga para além de
todo e qualquer regramento ou critério prévio:
Para ser justa, a decisão de um
juiz, por exemplo, deve não somente seguir uma regra de direito ou uma lei
geral, mas deve assumi-la, aprová-la, confirmá-la em seu valor, por um ato de
interpretação reinstaurador, como se em seu limite a lei não existisse
previamente, como se o juiz inventasse a lei a cada caso. Cada exercício da
justiça como direito não pode ser justo a não ser como um “fresh judgement”...
para que uma decisão seja justa e responsável, é necessário que em seu preciso
momento, se é que acontece, ela seja simultaneamente regrada e sem regra,
conservadora da lei e também destrutiva ou suspensiva da lei ao ponto de dever
em cada caso reinventá-la, re-justificá-la, reinventá-la ao menos na reafirmação
e na confirmação nova e livre de seu princípio. Cada caso é outro, cada decisão
é diferente e requer uma interpretação absolutamente única, que nenhuma regra
existente ou codificada não pode e nem deve garantir[54].
Este paradoxo acaba por transtornar
a sincronização na qual se pode basear um enunciado que sintetizaria, no
presente do indicativo, a ocorrência de um ato circunscrito à sua realização
efetiva:
Deste paradoxo segue-se que em
nenhum momento pode-se dizer presentemente que uma decisão é justa, e, ainda menos, “eu sou justo”. No lugar de “justo”,
pode-se dizer legal ou legítimo, em conformidade com o direito, regras e
convenções que autorizam um cálculo mas nos quais a origem fundadora não faz
mais do que adiar o problema da justiça. Porque no fundamento ou na instituição
deste direito, o mesmo problema da justiça foi proposto, violentamente
resolvido, quer dizer soterrado, dissimulado, reprimido. O melhor paradigma é
aqui a fundação dos Estados-nações ou o ato instituinte de uma constituição que
instaura o que se chama de... estado de direito[55]
A questão da justiça, assim, não se
sincroniza jamais; ela escapa ao momento que plenificaria a sua realização,
porque ela não se subsume no conceito e, sim, se dá no decorrer do tempo. É daí que advém a
paradoxalidade do paradoxo, se assim podemos dizer: do fato de que a mera idéia
de síntese, no que diz respeito à questão da justiça, não suporta o
acontecimento – ou não-acontecimento – da justiça efetivada. As questões de
justiça exigem em todos os seus termos, momentos e formas, a refundação de si mesmas, como se fosse a
“primeira vez” que ocorrem no espectro da realidade. Trata-se do novo que, pelo decorrer do tempo, irrompe no campo do conhecido. A
cristalização de tal novidade no presente do indicativo do verbo ser é não
somente impossível, mas indica a tentação e o sonho do conceito: resumir em si a
realidade. O fato da reinvenção, porém, que é verificável cada vez que o problema da justiça se coloca
enquanto tal, ou seja, cada vez que a questão humana da justiça assume toda a
sua radicalidade, transborda de todo e qualquer conceito e reenvia à
multiplicidade de origem, que habita a realidade que suporta todo e qualquer conceito e, por
decorrência, toda e qualquer racionalidade e filosofia, na medida em que
racionalidade e filosofia não se resolvem
em si mesmas.
Passamos assim do sonho da Razão ao
árduo dia-a-dia da racionalidade, que não sabe de si mais do que seu dia – seu
momento de exercício, sua terrível tarefa de dar organicidade ao infinito dos
acontecimentos, de saber socraticamente, a cada momento, que nada sabe. “A cada
razão se pode opor outra razão” (Camus) – e, portanto, pode-se propor à Razão o
anverso de si mesma: seu tempo de construção que a sustém e que ela não
abarca.
b) A
fantasmagoria do indecidível
O exercício da justiça é assombrado
pelo indecidível. É o que se faz presente na decisão sem que alguma articulação
com os demais elementos da decisão possa esgotar seu sentido ou resolvê-lo num
todo completo
O indecidível, um tema
freqüentemente associado à desconstrução, não é somente a oscilação entre duas
significações ou duas regras contraditórias e muito determinadas, mas igualmente
imperativas (por exemplo aqui o respeito ao direito universal e de eqüidade mas também da singularidade
sempre heterogênea e única do exemplo não-subsumível). O indecidível não é
somente a oscilação ou a tensão entre duas decisões, é a experiência daquilo
que, estrangeiro, heterogêneo à ordem do calculável e da regra, deve, todavia –
é dever que se deve falar – dar-se à decisão impossível levando em conta o
direito e a regra. Uma decisão que não faça a prova do indecidível não será uma
decisão livre, ela não será senão a aplicação programável ou o desdobramento de
um processus calculável. Ela poderá ser, talvez, legal, mas não será justa. Mas
no momento de suspensão do indecidível, ela não será igualmente justa, pois
apenas uma decisão é justa. E uma vez passada a prova do indecidível (se tal é
possível), ela seguiu novamente uma regra ou se deu uma regra, inventou-a ou a
reinventou, reafirmou, ela não é mais presentemente justa, plenamente justa[56]
É no momento preciso do exercício
pleno do ato justo que a dimensão nova – ou seja, que não está escrita em
lugar algum, à cuja autoridade não se pode recorrer em nenhuma hipótese, faz seu
pleno aparecimento. “Novo” é outro nome para indecidível: o fulcro mais solene
da decisão, aquilo que a caracteriza como
tal, escapa à sua tematização intelectual pela incapacidade de organizar,
num todo sintético, todos seus elementos; alguns permanecem fora do alcance de sua
justificação, e, entre estes, o indecidível definitivamente presente é o
mais determinante. O ato de exercício da justiça – se tal ato existe – não é plenamente controlável em si
mesmo. Seu sentido – se é que
assume sentido – não se dá à síntese que organiza causalmente os atos parciais
que o envolvem, tais como seguir a lei ou obedecer a regras. É a existência de
um momento impossível:
Em nenhum momento uma decisão parece
poder ser dita presentemente e plenamente justa; ou ela não é tomada segundo uma
regra, e nada permite chamá-la justa, ou ela já seguiu uma regra – recebida,
confirmada, conservada ou reinventada – que nada garante absolutamente, por seu
lado; e se ela estiveste garantida, a decisão recairia em cálculo e não poderia
ser chamada justa... o indecidível permanece ... (como um) fantasma essencial em
toda decisão, em todo acontecimento de decisão. Sua condição de fantasma
desconstrói desde o interior toda segurança da presença, toda certeza e toda
pretensão criteriológica que nos assegura a justiça de uma decisão, na verdade
do acontecimento propriamente dito de uma decisão. Quem poderá jamais assegurar
que uma decisão como tal teve lugar? Que ela, segundo tal ou qual
condicionamento, seguiu uma causa, um cálculo, uma regra, sem nem ao menos esta
detenção imperceptível que marca toda decisão livre, no momento de aplicar ou
não uma regra?[57]
Pois estamos lidando não com uma
variável controlável, mas com a exorbitância infinita da própria “idéia de
justiça” – “infinita porque irredutível, irredutível porque devida ao outro,
devida ao outro antes de todo contrato, porque ela provém do outro como
singularidade sempre outra”[58].
Uma espécie de aposta no infinito, na imperiosidade do infinito, um tipo de
loucura – “ e a desconstrução é louca por esta justiça. Louca por este desejo de
justiça”[59].
c) A
urgência que barra o horizonte do saber
...a justiça, por irrepresentável
que seja, não espera. É o que não deve esperar... Ela não se pode dar a
informação infinita e o saber sem limite das condições, das regras ou dos
imperativos hipotéticos que poderiam justificá-la. E mesmo se ela dispuseste
destes dados, mesmo que ela se deste o tempo e todos os saberes necessários a
este sujeito, o momento de decisão,
enquanto tal, permanece sempre um
momento finito de urgência e de precipitação, já que não pode ser a conseqüência
ou o efeito deste saber teórico ou histórico, desta reflexão ou desta
deliberação, já que ele marca sempre a interrupção da deliberação jurídico-,
ético- ou político-cognitiva que a precede, que lhe deve ter precedência[60]
Urgência de justiça: urgência extrema, sempre atrasada, que não pode
esperar. O tempo, que concorre para sua incisividade extraordinária, concorre
também para a obsolescência imediata de todo e qualquer artifício – de índole
intelectual ou outra – que, em algum momento, venha a sugerir alguma justificativa para a não-ocorrência da
justiça. Toda justificativa neste teor, parodiando Levinas (“toda forma de
exploração do ser humano não é senão um eufemismo do assassinato”), não passa do
eufemismo da injustiça realizada. Não
existem razões que possam se interpor entre o desejo de justiça e sua
realização, a não ser aquelas razões que escamoteiam este desejo transformando-o
em algum tipo de arranjo intelectual bem-construído, substituindo-se assim ao real que não pode
esperar, substituindo o real por sua imagem ou sua caricatura. Jogo de
espelhos, límpida cortina de fumaça; no fim a postergação da justiça é
simplesmente a traição da expectativa do tempo, a esperança desesperada de que
não haja mais esperança. Mas há o
tempo.
“O instante de decisão é uma
loucura, diz Kierkegaard. Tal é particularmente verdadeiro do instante de
decisão da justiça que tem de dilacerar o tempo e desafiar as dialéticas”[61].
No caso da incisividade absoluta da justiça, deve subverter inclusive o
procedimento de conduta intelectual de centenas de anos de ordenações
ontológicas que gostariam de ver na justiça uma derivação possível ou necessária
do ser, do saber ou da razão; se a justiça tem um sentido, este sentido se
propõe antes de todo ser, saber e
razão, pois este sentido é deles o substrato mais profundo e cuja
ocorrência define não só a base por sobre a qual a racionalidade pode se
desdobrar, mas também por sobre a qual toda e qualquer relação humana – o mundo
desde o menor núcleo individual até a mais grandiosa das instituições – se pode
desenvolver. Antes que dois conversem, ou que um conte seus pensamentos e
projetos, proponha suas idéias ou pergunte o que tem a perguntar, é necessário que um, em uma decisão anterior
a toda e qualquer racionalização que se possa seguir, não seja morto pelo
outro, ou toda e qualquer relação, toda e qualquer filosofia é
definitivamente abortada[62].
É por isso que, segundo Levinas, “a
verdade supõe a justiça”[63],
e não o contrário.
X
É fundamental observar, aqui, que
tais considerações de modo algum isentam a quem quer que seja de refletir
continuamente, em sua moldura histórica e social precisa, as justificativas do
direito positivo, muito menos de se abster de lutas jurídico-políticas[64],
lutas estas motivadas pela necessidade da justiça que é – agora podemos avançar
tal asserção sem riscos extremos de mal-entendidos – a necessidade filosófica fundamental, da
qual toda e qualquer verdade pode derivar enquanto, exatamente, sentido humano
de verdade.
Reencontramos, a esta altura do
itinerário, quem em verdade nunca nos abandonou: a linguagem enquanto dizer da necessidade da justiça. Toda
vontade modesta ou grandiloqüente de organização, categorização, classificação,
que pretenderia submeter esta necessidade a um termo comparativo, ou avaliativo,
maior, acaba por recair na questão de que assenta por sobre um condicionamento
anterior que permite seu surgimento ou sua existência. Assim, por exemplo,
quando M. Frank expõe da seguinte forma o que entende ser o pensamento de
Derrida:
Não a presença em si (Selbstgegenwart), mas a ‘différance’ – a aberta diferenciação
imprevisível – auxilia as ‘marques’
lingüísticas a encontrar o sentido e o significado. Desta maneira o pensamento
identitário, logocêntrico, se revela como um caminho sem saída da ‘épisteme
occidental’ e dele somente se pode fugir por uma ‘déconstruction’ (um arrasar até os
fundamentos). Ela será um pensamento além da presença, do lógos, da metafísica, da identidade e da
controlabilidade racional. ‘Indiferenciabilidade semântica’ (incontrôlabilité
des effets du sens) é a palavra mágica deste novo pensamento do lado de lá da ratio, à qual oferece ao ego o ‘anything goes’ daqueles que perderam o
contato, por falta de exercício, com a confiabilidade (Verbindlichkeit) do argumentar. Desta
maneira, a semântica do discurso deve ser ultrapassada em favor dos traços
a-significantes daquilo que Derrida designa, com uma arrojada metonímia,
‘escrita’ (sic). Assim, todo o discurso responsável e capaz de argumentação deve
ser suspenso... Esta instância do lógos deve, portanto, ser desgastada e
devem ser abolidos os compromissos discursivos nele inscritos. Este combate deve
ser travado sobretudo contra o sujeito consciente como agente do lógos (...) Deste modo, naturalmente, a
linguagem autonomizada (ou melhor a escrita) herda todos aqueles traços que
a modernidade havia atribuído ao sujeito auto-reflexivo e adulto, a saber a
espontaneidade da fundação de sentido e de transformação do sentido – só que o
‘texto infinito’ que ‘se fala a si mesmo’ (‘un langage qui se parle [ou qui se murmure]
tout seul’), às nossas costas e por cima de nossas cabeças, não pôde mais
receber o atributo da maioridade. A isso corresponde na esfera ético-política
uma suspeição generalizada contra o ‘espírito’ reflexivo e adulto[65].
...tese geral compartilhada, aliás,
por muitos outros autores, parece ser de um outro Derrida do que este que
analisamos, o qual explicitamente – de forma por vezes até mesmo
extraordinariamente enfática – aponta para a absoluta necessidade da reflexão
filosófica sobre as origens, as condições, a história e a circunstâncias nas
quais as certezas se sugerem e se gestam, inclusive a certeza de que um “sujeito
reflexivo e adulto” seja a única instância de decidibilidade sobre o verdadeiro
e o adequado em filosofia e em tudo o mais. No lugar da “linguagem autonomizada”
está sendo reproposto um “logos autonomizado”, que não tem aparentemente sede nem proveniência, nem interesses, poder discursivo ou conquistas muito bem definíveis e
localizáveis a resguardar, mas paira por sobre tudo, inclusive por sobre o que
não se dá imediatamente a ele.
Derrida aponta sim para a
necessidade da auto-reflexividade e da maturidade – não é isso senão o que, de
certa forma, tem feito continuamente desde seus primeiros textos sobre Husserl.
E apresenta sim uma “suspeição com relação ao espírito reflexivo e adulto”, pelo
menos com relação àquele que nunca se deteve sobre as circunstâncias especiais
nas quais assume sua legitimação. Talvez aponte porém uma outra estrutura de auto-reflexividade que leve a sério as condições que
permitiram e permitem aos filósofos – a alguns filósofos e não a outros – a
emissão de juízos de valor: uma determinada circunscrição ética que os respeitou
ao ponto de poderem construir e divulgar os seus discursos. Não estamos por
isso, ao compartilharmos algumas dimensões do filósofo argelino, retrocedendo
aquém de toda e qualquer construção racional, mas indo de certo modo além delas
– até as dimensões que evidenciam, num meditar dos subterrâneos da linguagem, do
pensamento, do poder e das justificativas e hierarquias daí derivadas, os reais
constitutivos de certas construções que são tão magníficas teoricamente como
humanamente inócuas ou perniciosas em termos das exigências que hoje – no tempo
da falência das essências e da derrocada final na crença ingênua no infinito da
razão – se propõem como as questões
propriamente ditas da espécie humana.
* *
*
A acusação de irracionalidade é uma das
retóricas preferidas de modelos de racionalidade hegemônicos para tentar
desqualificar outras racionalidades, ou mesmo outras possibilidades da
racionalidade. Nada de novo sob o sol; a história da filosofia tem sido, ao
longo dos séculos, a tensão entre a promulgação de sistemas e teorias como
verdades e a suspeita sempre presente de que a verdade está para além do campo
de abrangência de sistemas e teorias. Isso se expressa, no exemplo citado ao
início deste texto (que é, reiteremos, nada mais que um entre inúmeros), naquilo
a que conduz, exatamente, o confronto de uma asserção consigo mesma. O estranho
é que provém justamente de um estudioso da linguagem, que, em seu rompante
histérico, desvela sua verdadeira visão de mundo – “uma espécie de favela
intelectual... se tiveste cem anos, entraria para fazer a limpeza”. Nesta
estrutura de violência do discurso, a mera idéia de que numa favela possa
existir algo além do que precisa ser “limpo” nem ao menos se pode aproximar de
uma tal proposição – proposição que é absolutamente fechada, dogmática e
obscurantista como as estruturas dogmáticas do pensamento que muitas filosofias
da linguagem pretenderiam desmascarar em sua insuficiência interna; ou,
analisada a proposição em um nível moderadamente mais profundo, uma tal idéia
não se pode aproximar porque uma tal proposição pretende determinar a realidade de uma vez para
todas, distinguir definitivamente o ser do não-ser, substituir o real por
sua imagem, para poder dominá-lo, nem que seja pela destilação de uma metáfora
infeliz. Eis aí a essência de muitas “filosofias da linguagem” (e não só da
linguagem): um instrumento de violência e manutenção de poder, aureolado pela
“credibilidade” inatacável da neutralidade, muito bem armada com uma pretensão
de “rigor” que é, em verdade, a rígida fidelidade ao seu sentido de domínio.
Nada que se pareça, ou indique, ainda que muito remotamente, a linguagem humana
propriamente dita, aquela que não sabe
tudo o que diz.
Na verdade, o que está em jogo aqui,
como na maioria das explosões histérico-paranóicas que pretendem enviar um
determinado modelo de pensamento à vala sem esperança da “irracionalidade”, é
algo infinitamente mais simples: trata-se do medo de perder o controle do discurso (o
que é uma questão de manutenção de poder), medo que envia a um outro, mais
“filosófico”: trata-se do medo mortal da
linguagem real, enquanto não enquadrada na estrutura mental prévia e
controlada do discurso, tal como, exatamente, a linguagem propriamente dita
nasce em cada oportunidade em que pode nascer, ou seja, em cada encontro. Confissão velada de um tempo patológico que evita de todas as
formas deter o giro de si em torno a si mesmo[66]
– na esperança de que tal lhe retorne a segurança há muito perdida – o
enquadramento da linguagem em molduras bem-comportadas (que, aliás, tornariam
impossível as artes, a poesia, a literatura em geral) ameaça inviabilizar a
filosofia, condenando-a a se contentar com um luminoso jogo de espelhos. Nada
mais, nada menos que o medo do outro
que, com sua mera presença, me obriga a reconsiderar meus fundamentos e
legitimações. Enfrentar-se com este medo: a questão por excelência de uma
filosofia que não se contenta com pouco. Talvez a mais antiga das questões da
história da filosofia, mas também a mais nova e a mais urgente, condição de
evitação da guerra total.
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[1] “Force de Loi: le ‘fondement mystique de l’autorité’”, in: Deconstruction and the possibility of
justice, Cardozo Law Review, Vol. 11, july/aug. 1990, n.5-6, p. 1008.
Este texto será
doravante abreviado “FL”. Para maiores referências dos textos citados, cf. as
referências bibliográficas no fim do artigo. Com relação à terminologia usada,
utilizamos ao longo do texto, por sua força expressiva, neologismos como
“construível”, “desconstruível” e outros, derivados da linguagem de
Derrida.
[2] FL, p.
956
[3] Cf. nosso
Ainda além do medo – filosofia e antropologia do preconceito, de próximo
aparecimento.
[4] Cf., sobre este assunto, GONDEK, Hans-Dieter – WALDENFELS, Bernhard.
„Derridas performative Wende“, in: GONDEK, H.-D. – WALDENFELS, B. (Orgs.), Einsätze des Denkens – Zur Philosophie von
Jacques Derrida, p. 7.
[5] Assim se pronunciou a professora norte-americana Ruth Barcan Marcus,
em 1984, contra a escolha de Derrida para a posição de diretor do Collège
International de Philosophie: “To establish an ‘International College of
Philosophy’ under Derridas’ charge is something of a joke or, more seriously,
raises the question as to whether the Ministère d’Etat is the victim of an
intellectual fraud. Most of those informed in philosophy and its
interdisciplinary connections would agree with Foucault’s description of Derrida
as practicing ‘obscurantisme terroriste’“ (Cit. por Uwe Dreisholtkamp, Jacques Derrida, p.
19.)
[6] Cit. por Kanavillil
RAJAGOPALAN, “Ética da desconstrução”, in: NASCIMENTO, Evando – GLENADEL, Paula
(orgs.) Em torno a Jacques Derrida, p. 119.
[7] Op. cit., p.
120.
[8] DERRIDA, J. Limited inc., Campinas: Papirus,
1991.
[9] Cf. SOUZA, R.
T. “Três teses sobre a violência” in: CIVITAS – Revista de Ciências Sociais,
PUCRS, nº2, 2001.
[10] FL,
920-922.
[11] FL,
922.
[12] FL, p. 924: “A
aplicabilidade, a ’enforceability’ não é uma possibilidade exterior ou
secundária que vem juntar-se, ou não, de forma suplementar, ao direito. Ela é a
força essencialmente implicada no conceito mesmo de justiça como direito, da
justiça na medida em que se consubstancia em direito, da lei enquanto
direito...”
[13] FL, p. 924-926.
[14] Cf. FL, p. 926.
[15] FL, p. 928.
[16] FL, p. 928.
[17] Cf. SOUZA, R.
T. “Traumatismo e infinito”, in: SOUZA, R. T., Totalidade & desagregação – sobre as
fronteiras do pensamento e suas alternativas, p. 195-197.
[18] F, p. 928.
“Différance” estabelece-se com a relação a “Différence” como o exercício
“diferidor” da Différence, sua efetividade para além do conceito que, aureolada
por um nome de pronúncia idêntica, pulsa de forma diversa com relação a si mesma enquanto cinde a
correspondência tradicional entre significados e significantes, através da temporalização de si mesma, etc. (Cf.
p. ex. DERRIDA, J. “A Diferença” in:
DERRIDA, J. Margens da filosofia, p.
33-63).
[19] FL, p.
928.
[20] FL, p.
928.
[21] FL, p.
930.
[22] Cf. SOUZA, R.
T. “Justiça, liberdade e alteridade ética. Sobre a questão da radicalidade da
justiça desde o pensamento de E. Levinas”, in: VERITAS – Revista de Filosofia, Vol. 46
n.2, junho 2001, p. 265-274.
[23] FL, p.
934.
[24] PASCAL,
Blaise. Pensamentos, Porto Alegre:
Editora Globo, 1973, p. 97.
[25] Apud DERRIDA,
J., Force de Loi, Op. cit., p. 938. Sérgio Milliet, na tradução brasileira da
Editora Globo, fala no “mistério” do poder das leis: “A autoridade das leis não
está no fato de serem justas e sim no de serem leis. Nisso reside o mistério de
seu poder; não têm outra base, e esta lhes basta” (MONTAIGNE, Michel de. Ensaios, III, “Da experiência”, p.
327).
[26] FL, p.
938.
[27] FL, p.
940.
[28] FL, p.
942.
[29] FL, p. 942.
[30] FL, p.942.
[31] FL, p. 942.
[32] FL, p. 942
[33] FL, p.
944
[34] FL, p.
944
[35] FL, p.
944
[36] Cf. SOUZA, R.
T. O tempo e a Máquina do Tempo – estudos de filosofia e pós-modernidade, p.
129-162.
[37] FL,
p.944-946
[38] FL, p.
946
[39] FL, p.
946
[40] Veja-se a
idéia do múltiplo enquanto origem no
pensamento de F. Rosenzweig (cf. SOUZA, R. T. , Existência em Decisão – uma introdução ao
pensamento de Franz Rosenzweig, p. 101-130.
[41] FL, p.
948
[42] FL, p. 950.
Neste momento do texto, Derrida aborda a questão do animal alvo de maus-tratos e
de processos judiciais. Não podemos nos alongar, neste contexto, nesta análise
fundamental; seja ressaltada porém a seguinte questão, que nos parece dar muito
o que pensar: “caso se queira falar de injustiça, de violência ou de falta de
respeito com relação ao que nós chamamos, ainda que confusamente, de animal – a
questão é mais atual do que nunca, e eu incluo nela, desta forma, em nome da
desconstrução, um conjunto de questões referentes ao carno-falogocentrismo –
temos que reconsiderar a totalidade da axiomática metafísico-antropocêntrica que
domina no Ocidente o pensamento acerca do justo e do injusto” (FL, p.
952).
[43] FL, p. 950
[44] FL, p. 950
[45] FL, p. 950
[46] FL, p. 950
[47] FL, p.
950
[48] FL, p. 952-954. Cf.
ainda: “(A desconstrução) é...uma excedência hiperbólica na exigência da
justiça, a sensibilidade a uma espécie de desproporção essencial que devem
inscrever o excesso e a desadequação nela e que conduza à denúncia não somente
dos limites teóricos mas também às injustiças concretas... na boa consciência
que se detém frente a tal ou qual determinação herdada de justiça” (FL, p.
954)
[49] FL, p.
954
[50] Cf. SOUZA, R.
T. Totalidade & Desagregação – sobre as fronteiras do pensamento e suas
alternativas, op. cit., p. 101-116.
[51] Cf. SOUZA, R.
T. “Da neutralização da diferença à dignidade da Alteridade – estações de uma
história multicentenária”, in: SOUZA, R. T. Sentido e Alteridade – Dez ensaios sobre o
pensamento de Emmanuel Levinas, p. 189-208.
[52] Cf. FL, p. 958.
[53] Cf. FL, p. 958. Sobre o sentido
de Levinas enquanto crítico da tradição filosófica ocidental, cf. SOUZA, R. T.
Sujeito, ética e história – Levinas, o
traumatismo infinito e a crítica da filosofia ocidental.
[54] FL, p. 962
[55] FL, p. 962
[56] FL, p. 962
[57] FL, p. 962-964. Segue-se:
“Toda a axiomática da responsabilidade,
da consciência, da intencionalidade, da propriedade que comanda o discurso
jurídico atual e dominante, a categoria de ‘decisão’ até seus recursos aos
pareceres médicos, é de uma fragilidade e de uma imprecisão (grossièrité)
teórica que não tenho necessidade de ressaltar aqui. E os efeitos desta
limitação são suficientemente concretos e massivos para que eu não tenha
necessidade de dar exemplos” (FL, p. 964).
[58] FL, p. 964
[59] FL, p. 964
[60] FL, p. 966
[61]
FL, p.966-968
[62]Não podemos,
neste momento, nos deter sobre as complexas derivações de tal “urgência
instantânea” para os diversos tipos de enunciados da linguagem e para os temas
dos horizontes teleológicos de realização da justiça (a este segundo tópico,
dedicará toda a segunda parte de “Force de Loi”). De qualquer modo, Derrida
dedica à questão dos enunciados de linguagem alguns fortes, embora pontuais,
parágrafos neste momento de “Force de Loi” (Cf. FL, p. 968).
[63] Cit. por
DERRIDA, J., FL, p. 968
[64] Cf. FL, p. 970
[66] Cf. SOUZA, R.
T. Metamorfose e Extinção – sobre Kafka e
a patologia do tempo, p. 107-115
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