CORPO E ÉTICA – UMA VISÃO
FILOSÓFICA
I.
Em primeiro lugar, é necessário desmistificar a própria idéia de
filosofia. Filosofia: a palavra é grandiosa, mas nem sempre aquilo que é
grandioso necessariamente é iniciático. Igualmente, não é veleidade. Existe uma
“definição” que podemos com toda tranqüilidade utilizar, embora definir seja
sempre perigoso – porém, quem fala em filosofia fala em origem da palavra.
Definição, definir... dar fim,...
delimitar, dar limites, etc...: entenda-se sentido lato. Filosofia é quando sai o argumento de
autoridade e entra a autoridade do argumento. Tem que ter argumento. Não
adianta eu dizer algo se eu não puder argumentar a respeito.
Por outro lado, quando alguma coisa começa a se tornar “óbvia”,
a filosofia começa a se interessar. Ela é uma “ciência” diferente das outras
nesse sentido. Um conhecer, um saber diferente dos outros, porque os outros se
desinteressam quando as coisas são óbvias e a filosofia começa a se interessar
quando está óbvio demais, por assim dizer.
Desse modo, destaque-se que a confusão que se cria entre a
filosofia e erudição hoje com a Internet
não tem mais nem sentido. Porque erudição está na biblioteca ou está nas bases
de dados da Internet, mas isso não é filosofia, isso é pressuposto para que eu
não invente a roda novamente, apenas. É o susto que todo estudante de filosofia
leva quando ele pensa ter uma idéia genial e vai ver e esta idéia tem 2500 anos
de idade. Ou às vezes ainda mais, se vem de uma sabedoria também correlata ou
anterior. E, na verdade, a filosofia é a coisa mais próxima que pode haver de
nós, porque é o momento exato em que nós vivemos, é o aqui e agora que
surpreende a si mesmo sob a forma de questão. Um dos maiores filósofos do século
XX, Edmund Husserl, criador da Fenomenologia, dizia: filosofia não surge de si
mesmo, ela surge das coisas e dos problemas. Filosofia trata do que dá o que
pensar. Se não for assim, ela surge de uma fábula e ocupa o nosso cérebro no
lugar daquilo que nos daria o que pensar se nós tivéssemos tido a atenção ou
tivéssemos tido a educação, a inquietação, a formação, a provocação de cada
instante vital. Então, na verdade nós estamos falando de algo absolutamente concreto. Então, nós
estamos trabalhando é no aqui e agora e o que segue tem a ver com o aqui e agora.
II.
Vamos começar pelo “corpo”, no caso o corpo humano. E se poderia
poderia fazer aqui toda uma história da idéia de corporeidade, da idéia de
corporalidade, mas não é o caso. O que é corpo para nós? Corpo para nós: é um
tema que vai nos interessar na relação do esporte. Nós não sabemos, partimos
então da nossa curiosidade original, vamos procurar um tratado de anatomia.
Tratado de anatomia – e nesse tratado de anatomia a gente vai procurar, por
exemplo, um olho humano. O que é um olho? Eu sempre fiquei curioso para ver o
que é um olho antes de abrir. Eu sempre vejo lá aquele desenho clássico de um
olho ligado por um nervo ótico, o olho é aquele globo que tem o cristalino e
tal, aquele humor aquoso interno, a retina e aquelas células diferenciadas das
cores, bastonetes, cones. Nervos que levam a imagem, por assim dizer, até o
cérebro, o processamento cognitivo do cérebro em relação a essa excitação
nervosa, tudo muito bonito. Mas... O olho é isso? Primeira pergunta. É claro.
Porque um tratado é o relato minucioso de um corte histológico, um corte
anatômico, etc.. A resposta é sim, um olho é isso. É isso que está sendo
descrito nesse tratado. Aí está, portanto, o olho, paralisado, parado. Nesse
ponto, quando ficou óbvio que esse olho é um olho, que a descrição é de um olho,
porque parece um olho, está descrito, está mostrado, está contextualizado,
portanto não há razão nenhuma para desconfiar, vem a filosofia e começa a questionar. Por trás deste olho, dessa descrição,
isso é um olho? O que significa o fato de ele ser um olho? Por trás dessa
pergunta há outra implícita, que, no caso, podemos fazer a um oftalmologista: em
qual tratado de oftalmologia está escrito a razão pela qual o senhor se tornou
um oftalmologista? Porque o fato é que ele é um oftalmologista. Esse é um fato
incontestável. Partimos dessa premissa básica. Procuramos em todos os tratados
possíveis e imagináveis e não achamos a razão pela qual ele se transformou no
que ele é. Achamos todo o resto: como tratar, como é a descrição desse órgão
chamado olho, como é que se inscreve esse órgão no contexto do organismo humano,
a evolução, a filogenética, os tecidos, a parte celular, a parte histológica, as
patologias, tudo muito bem descrito; só não se a acha a razão pela qual ele se
transformou num oftalmologista. Aí começa a surgir uma interessante questão.
Porque a pergunta que nós fazemos é a seguinte agora (uma pergunta capciosa, uma
pergunta um pouquinho ardilosa): o olho é uma estrutura diferenciada, inserida
no crânio, etc., não é? É, do ponto de vista anatômico, científico, não há
dúvida. Nenhum de nós tem problema com isso. Mas o olho, antes disso, antes de
sua descrição, seria alguma coisa se ele não servisse para ver? Por exemplo: o
olho daqueles peixes e lagartos que acabam ficando em cavernas perdendo
coloração, perdendo tudo, porque não precisam de olhos, os olhos vão atrofiando.
Peixe-cego: peixe-cego é uma espécie, tem olhos, o olho está lá, só que não
serve para ver, porque não precisa ver, ele vive num ambiente sem luz. Surge
então uma resposta algo inusitada à questão colocada – “o que é um olho?”: antes
do olho ser aquilo que nós somos capazes de descrever, ele seria uma expectativa de ter tempo para
se processar como olho, ou seja, ter tempo para que a luz chegue, atravesse
o cristalino, chegue até a retina para excitar aquelas células nervosas que por
sua vez excitam o cérebro que por sua vez então processa e tem idéia de imagem.
Isso não se dá em uma simultaneidade.
E aí nós estranhamos, pois parecem duas perguntas que não têm nada a ver uma com
a outra. Para esclarecer melhor, vamos pegar um elemento mais simples, uma mão,
uma mão humana. Quer dizer, eu peguei a caneta. Aí eu vou descrever a mão, o que
é uma mão humana? Uma mão é uma parte diferenciada de um membro superior, ligada
a tendões, com movimento, e faço a mesma descrição anatômica... a única coisa
que eu não digo é que a mão não funcional não é uma mão em sentido pleno,
completo, não? Ela está ali, mas ela não exerce a sua função, o que a constitui
como uma mão humana que serve para agarrar algo, para tocar algo, para tatear
algo. O que é uma mão humana? Aí vem a pergunta ardilosa. Talvez uma mão humana seja a expectativa de
poder sair de onde está e chegar aqui para pegar este objeto, segurar esta
caneta para escrever alguma coisa. É uma expectativa, e uma expectativa
temporal – porque, afinal de contas, se não houvesse tempo, a mão não pegaria
nada, não chegaria lá. E aí vamos chegar no terceiro exemplo, um exemplo muito
simples, muito fácil. Os pulmões, sabemos que nós temos dois órgãos compostos de
alvéolos pulmonares ligados ao sistema circulatório, respiratório, trocas
gasosas. “Trocas gasosas” já significa: extrair de dentro dessa própria
definição a idéia de temporalidade. Afinal, troca não se dá numa simultaneidade,
mas num processo de troca. Primeiro tem que haver tempo para que essas trocas se
processam – todo o mais deriva disso.
Então nós estamos vendo aqui uma coisa interessante. Nós somos essencialmente constituídos de
tempo sob a forma de expectativa e de sua realização ou não. Nós somos uma
expectativa de temporalidade e isso é anterior a qualquer descrição que nós
sejamos capazes de fazer de nós mesmos.
III.
Esse seria o foco de
nossa reflexão. A razão disso é bastante interessante. Nós temos algo que já nos
classificou inclusive como humanos no classicismo grego, animais racionais. E
essa ratio é uma derivação do modelo
do logos, que é por sua vez uma
palavra que deriva de um verbo grego muito conhecido, muito rico, que vai desde
classificar até ordenar, até definir, até dar sentido, etc. Tem poder
extraordinário o nosso intelecto, vamos dizer assim, “Intus legere”,
inteligência, que é o ato de tirar ou retirar de algo seu sentido de coisa, seu
sentido de objeto. Eu retiro da caneta o sentido de objeto que a caneta tem para
mim. Neste momento ela é algo para escrever, mas se eu precisar, digamos, ativar
um desses mini-teclados eletrônicos ela vai servir para apertar as teclas. E se
eu tiver que me defender de alguém ela vai servir de arma. Então eu retiro do
objeto o sentido de objeto que o objeto tem para mim. Mas, “essencialmente”, nós
chegamos a uma essência ou aquilo que nós construímos ou entendemos que seja a
essência do objeto. Caneta, em princípio, é algo que serve para escrever. E ao
fazermos isso, ao “essencializarmos”, nós fazemos um milagre, milagre que é nos
retirarmos do tempo. Nós saímos fora do tempo. Quando Pitágoras pensa no Teorema
de Pitágoras, e nós pensamos no Teorema de Pitágoras, é o mesmo, não mudou
absolutamente nada ao longo de tantos séculos. Por isso que é possível hoje nós
falarmos e darmos exemplos do Teorema de Pitágoras como Pitágoras teria feito,
porque nós “saímos fora” da temporalidade. Nós estamos presos na presença, que é
o preço que nós pagamos por termos conseguido, pela inteligência, saído fora da
própria temporalidade que, paradoxalmente, é o que nos constitui. Então veja-se
que aí nós temos um imenso problema. Nós podemos nos confundir com a nossa
própria imagem anatômica, fisiológica. Uma imagem fisiológica chega aliás a ser
uma contradição. Eu posso me confundir com a ciência, com a descrição assim como
eu confundiria a cidade do Porto que eu não conheço, com um cartão postal desta
cidade... Perguntaríamos, ao ver o
postal: essa é a cidade do Porto? E a
resposta seria evidente: não, este é um testemunho vestigial arbitrado por
alguém que queria dar uma idéia, para alguém, de uma percepção, de uma
perspectiva da cidade do Porto. Que possível confusão que começa a se criar aí,
então. Nós generalizamos, retiramos a singularidade. Assim como nós, ao
retirarmos da caneta a idéia de caneta, quando olharmos olharmos outra caneta,
nós a re-conhecemos. Sabemos o que é um livro, e, portanto, o que é outro livro.
E aí começa o problema. Quando nós retiramos a temporalidade dessa dimensão,
porque a temporalidade é a condição para que o cérebro inclusive possa processar
tudo aquele que lhe chegue, na verdade nós estamos cometendo uma certa violência. Porque o particular desta
caneta, que é o fato de ser branca e vermelha, etc., de ter estas
características, está de lado. Eu não me interesso pelo sentido de caneta, esse
sai fora do tempo. Porém, se esta caneta ela for abandonada aqui, daqui a alguns
anos ela vai virar pó, desaparecer, pois o tempo corrói tudo. O tempo é aquela
entidade primigênia e louca, o Chronos que devora seus próprios filhos, como no
famoso quadro de Goya, é uma devoração, uma voragem, e disso os gregos não
gostavam muito. E o logos é uma forma de domesticar o tempo. Então, quando
alguns filósofos clássicos propõem que “Tempo é a medida do movimento”, estão de
certa forma resolvendo o problema. Tempo é a medida do movimento. Ao
concordarmos com isso, nós estamos transformando o tempo numa questão do espaço,
de geometria. Isso é uma mera questão de senso comum. Estamos transformando
tempo, que é uma questão de temporalidade anterior a toda idéia de tempo que eu
tenho, em crono-logia, o logos do chronos, em espaço geometrizado. E ao
transformar o tempo em espaço, estou controlando-o ou assim penso estar fazendo.
Será que eu também estou controlando a temporalidade anterior à idéia de tempo?
Quando eu retiro e abstraio, esta é palavra técnica exata, um universal ou um
conceito geral, etc, eu estou dando uma amostra de grande poder intelectual, não
há dúvida. Vivemos na modernidade com
e de conceitos abstratos, como, por
exemplo, “ser humano”. E aí vem a questão: alguém se ofende se eu chamar de ser
humano? Não. Mas, alguém se contenta
com isso? Obviamente não. Porque o que o caracteriza não é ser simplesmente
“humano”, eu não posso chamá-lo por ser humano. Ser humano é uma abstração. Eu
tenho que chamá-lo pela sua diferença em relação à generalidade, à
universalidade, diferença expressa pelo seu nome singular.
IV.
O que nos caracteriza paradoxalmente não é aquilo em nome do
qual nós levantamos desde o século XVIII a nossa bandeira, que é a “igualdade”.
Essa concepção de igualdade é perigosa. Ela diz tudo e não diz nada. É porque
todos são iguais que alguns conseguem ser “mais iguais que outros”. Por quê?
Porque o que realmente nos caracteriza é aquilo que está sendo transformado em
quantidade e não mantido em qualidade: nossa singularidade. Aí está implícito um
conceito interessante. O conceito de diferença é muito forte. Ele é tão forte
que é tudo aquilo que pode nos ajudar a estabelecer as condições de surgimento
da categoria “ética”. Não existe ética entre universais, universais são
abstrações. Nós já temos um problema, nós temos um corpo e esse corpo é
essencialmente uma fisiologia funcionante no tempo. Ele pressupõe a
temporalidade para existir. No momento que ele saiu dessa temporalidade, ou ele
está morto ou ele está abstraído. Enquanto nós não somos quem nós somos, quem
nós realmente somos, mas o número do nosso CPF, da nossa identidade, nós somos
mera quantidade. E dentro da nossa sociedade nós valemos enquanto quantidade. É
esse o ponto que eu queria abordar. Somos medidos pelo nosso poder de compra,
pelo nosso poder de troca, pelo nosso poder de consumo, mas dificilmente pela
nossa diferença, que é a única coisa
que, a rigor, nos interessa.
V.
Nesse ponto, nós já vemos as conseqüências que tudo isso traz
para a questão do esporte. Se eu entender o esporte enquanto luta quantitativa,
eu vou estar na verdade reproduzindo a guerra de todos contra todos, alguma
coisa desse tipo, reproduzindo uma sociedade em relação à qual todas idéias
funcionam como abstrações que se concretizam em uma luta, digamos assim. Aí que
está o paradoxo. A competição a qualquer preço não é característica do esporte,
por isso que se fala em comportamento anti-desportivo. Só que, a partir de um
certo momento, começa a virar “esporte”. Há pessoas cujo “esporte” é competir e
vencer a qualquer preço. Essa idéia de fair-play é para os românticos, para
aquela espécie em extinção que ficou no passado e que pensa que hoje a gente
pode dar chance para o azar. Se a oportunidade está aí temos que usá-la. E se vê
nitidamente isso acontecendo. A sutileza parece que começa a fazer parte do
próprio processo; por trás disso tudo, em um nível mais profundo de análise,
poder-se-ia dizer: há uma confusão que se cria e é uma confusão dupla. Primeiro:
a confusão entre uma descrição, uma presença, que é a única coisa pensável,
presença no presente do indicativo, e a realidade mesma que acontece no tempo.
Ou seja, a confusão entre a presença e tudo aquilo que é anterior a qualquer
idéia de presença, que é a temporalidade, que é a única coisa não pensável,
porque é a condição do tempo e de todo o pensamento, portanto (pensamos ao longo
do tempo); e uma confusão entre quantidade e qualidade. Pois eu não penso fora
da presença, eu não penso o tempo. Eu posso pensar que daqui a 500 milhões de
anos o sol provavelmente vai inflar e virar uma estrela gigantesca, queimar,
torrar Mercúrio, a Terra vai ficar inabitável e depois vai encolher, virar uma
estrela anã daqui um bilhão de anos, qualquer coisa parecida... mas, no fundo o
que eu estou pensando são momentos presenciais, de quando isto está(rá)
acontecendo. Eu não sou capaz de pensar o tempo. Portanto, eu tenho que trazer
tudo como se fossem flashs, como se fossem fotografias. Então vejamos, estamos
com um problema muito grave, a nossa capacidade de inteligência, de
racionalidade é extraordinária. Essa capacidade abstrativa, se por um lado nos
dá uma incrível potência intelectual, também nos dá uma extraordinária
armadilha. Armadilha de retirar de nós aquilo que nos constitui profundamente: a
nossa temporalidade. E aí está a questão da quantidade e da qualidade. Nós, bem
ou mal, por razões exatamente de estruturação do mundo administrado, vamos dizer
assim, para usar a terminologia da Escola de Frankfurt, nós necessitamos ser
organizados, criamos as Instituições, etc.. E eese é o grande desafio.
VI.
Então vejam, na verdade a nossa sociedade é essencialmente uma
dimensão quantitativa, uma dimensão administrada, uma dimensão administradora,
classificadora. Pegou a pior aspecto do logos e o usou para criar uma estrutura
de dominação, tendo como área para isso a complexidade da sociedade
contemporânea, e absolutizou esta dimensão. E aí, onde entra o esporte? Onde
está a ética? Pois isso tem a ver com a qualidade, isso é outra coisa, isso é
coisa de “menos importância”. Isso é coisa da minha subjetividade, do meu foro
íntimo que não tem interesse objetivo para a sociedade administrada. Quando
alguém necessita escrever um livro chamado Inteligência Emocional, como se toda
inteligência não fosse emocional, é porque alguma coisa está muito “louca”,
podem ter certeza absoluta. E essa é a sociedade em que nós vivemos. E é nessa
sociedade que nós tentamos ser éticos. E a ética não cabe. Cabem as éticas
profissionais, as deontologias particulares, as prescrições, muito bem, mas não
cabe aquela ética primeira “no tempo” que fez com quem construísse este prédio
aqui o construísse tão razoavelmente bem que não caiu na nossa cabeça.
Normalmente, só lembramos de “ética” em sua falta.. O pai que abusou dos filhos,
o ladrão que lesou o INSS em milhões. Aí todo mundo se lembra. Mas o fato é que
a cada momento aquilo que é não-neutro do ser humano esteja aparecendo, por
exemplo, essas vigas, todas têm sentido na estrutura do prédio, para nós não
importa, porque nós pensamos quantitativamente e não qualitativamente.
VII.
Chegamos ao ponto que no qual eu queria concluir. Se o esporte
em algum momento virar exclusivamente a quantidade de m2 ou
cm2 que tem em uma camiseta para os patrocinadores, nós podemos dar
adeus, fechar a porta da Esef e cada um fazer outra coisa, porque aí nós viramos
quantidade em sentido estrito, aí já não é mais no sentido nem aproximadamente
figurado. Se o esporte virar isso, ceder o espaço para essa lógica, podem ter
certeza que alguma coisa morreu e não nasce de novo. Se o esporte capitular a
esse modelo que é a transformação da nossa qualidade, da nossa diferença, numa
generalidade abstrata, então nos podemos fechar, porque não tem mais sentido
fazer o que nós fazemos. E quando se perde o sentido do fazer se perdeu tudo. Um
suicida ou uma pessoa que tem ideação suicida só chega ao suicídio se o último
resquício de esperança do sentido se esvair. Se não, ela ainda fica dando aviso,
ela até pode fazer tentativas, etc., mas o psiquismo sabe como se arranjar para
passar mensagens a serem decodificadas por alguém muito sensível ou por um
profissional. Quando ela não passa mensagem, quando ela se esconde, aí a coisa é
muito séria. Então, para encerrar, a idéia seria essa: cuidado com uma das mais
humanas das atividades, o esporte. Pois o esporte, no melhor sentido do fair
play, não é e não pode ser senão uma celebração das diferenças, das
singularidades, da Alteridade.
* * *
Referências bibliográficas
ADORNO, Theodor. Minima moralia, São Paulo: Ática, 1993.
ADORNO, Theodor – HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento, Rio de
Janeiro: J. Zahar, 1985.
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer – o poder soberano e a vida nua
I, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004.
______, Estado de Exceção, São Paulo: Boitempo
Editorial, 2004.
______,. Profanações, São Paulo: Boitempo,
2007.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto, Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
BENJAMIN, W. Obras Escolhidas, São Paulo:
Brasiliense, 1985.
BLOCH, Ernst. O Princípio Esperança, São Paulo:
Contraponto Editora, 2006 (3 Vols.)
DERRIDA, J. Adeus a Emmanuel Levinas, São Paulo:
Editora Perspectiva, 2004.
______, Margens - da
filosofia, Campinas: Papirus,
1991.
LEVINAS, E. Descobrindo a existência com Husserl e
Heidegger, Lisboa: Editora Piaget, 1997.
______, Entre nós – Ensaios sobre a alteridade,
Petrópolis: Vozes, 1997.
______, Autrement
qu’être ou au-delà de l’essence, Paris: Kluwer Academic / Biblio Essais,
1974.
______, Totalité et infini, Paris: Kluwer
Academic, s/d.
NESTROVSKI, Arthur –
SELIGMANN-SILVA, Márcio (Orgs.), Catástrofe e Representação, São Paulo:
Escuta, 2000.
REYES MATE, Memórias de Auschwitz – atualidade e
política, São Leopoldo, Editora Nova Harmonia, 2005.
SOUZA, Ricardo Timm de. Totalidade & Desagregação – sobre as
fronteiras do pensamento e suas alternativas, Porto Alegre, EDIPUCRS,
1996.
______, O tempo e a Máquina do Tempo – estudos de
filosofia e pós-modernidade, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.
______, Sujeito, ética e história – Levinas, o
traumatismo infinito e a crítica da filosofia ocidental, Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1999.
______, Existência em Decisão – uma introdução ao
pensamento de Franz Rosenzweig, São Paulo: Perspectiva, 1999.
______, Razões plurais – itinerários da
racionalidade ética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida, Levinas,
Rosenzweig, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
______, Sentido e Alteridade – Dez ensaios sobre o
pensamento de E. Levinas, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. (também versão
e-book (2009) na página da EDIPUCRS)
______, Em torno à
Diferença – aventuras da alteridade na complexidade da cultura contemporânea,
Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
______, Justiça em
seus termos – Dignidade humana, dignidade do mundo, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010.
______, Kafka, a
Justiça, o Veredicto e a Colônia Penal, Porto Alegre, Perspectiva, no
prelo.
______, Adorno
& Kafka – paradoxos do singular, Passo Fundo: Editora do IFIBE,
2010.
______, “Levinas”, in: PECORARO, R. (Org.), Os filósofos – Vol. III, Petrópolis:
Vozes/Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2009, p. 126-146.
______, “Justiça, liberdade e
alteridade ética. Sobre a questão da radicalidade da justiça desde o pensamento
de E. Levinas”, in: VERITAS – Revista
de Filosofia, Vol. 46 n.2, junho 2001, p. 265-274.
SOUZA, Ricardo Timm de. – FABRI, Marcelo. – FARIAS, André
Brayner de. (Orgs.) Alteridade e
Ética, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
______, “Fenomenologia e metafenomenologia: substituição
e sentido – sobre o tema da ‘substituição’ no pensamento ético de Levinas”, in:
SOUZA,
Ricardo. Timm de. – OLIVEIRA, Nythamar Fernandes de. (Orgs.) Fenomenologia hoje – existência, ser e
sentido no alvorecer do século XXI, Porto Alegre, EDIPUCRS,
2001.
______, “O pensamento de
Levinas e a filosofia política: um estudo histórico-filosófico”, in: SOUZA,
Ricardo. Timm de. – OLIVEIRA, Nythamar Fernandes de. (Orgs.) Fenomenologia hoje III – bioética,
biotecnologia, biopolítica, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
______, ______, “O corpo
do tempo – um exercício fenomenológico”, in: SOUZA, Ricardo. Timm de. –
OLIVEIRA, Nythamar Fernandes de. (Orgs.), Fenomenologia Hoje II – significado e
linguagem, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
TIBURI, Márcia. Filosofia cinza – a melancolia e o corpo nas
dobras da escrita, Porto Alegre: Escritos Editora, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário